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Trump desperta o ‘Make Europe Great Again’, diz economista

Em entrevista ao PlatôBR, diretora-executiva do Haitong Bank na Europa fala dos riscos e dos efeitos inflacionários do Brasil e no mundo que o jogo de intimidação de Washington já está deflagrando

Foto: Divulgação
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Em vez de implementar o slogan de campanha e marca da primeira gestão “Faça a América grande novamente” (Maga, da sigla em inglês), a maior façanha do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,  até agora foi despertar o Mega, “Faça a Europa grande de novo”. A avaliação é da diretora-executiva do Haitong Bank na Europa, a nipo-brasileira Sandra Utsumi, para quem a reação dos europeus após o bate-boca no Salão Oval entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, poderá levar o continente para outro patamar. Somente a Alemanha pretende investir cerca de 700 bilhões de euros em projetos de segurança e, também, na modernização do seu parque industrial.

Radicada na Europa há mais de 10 anos, Utsumi conversou com o PlatôBR por telefone na última sexta-feira, 7, e avaliou o vai e volta na tarifação de bens e serviços pelo presidente dos Estados Unidos: "Os desmandos do presidente Donald Trump (EUA), que podem levar a economia americana para uma situação delicada", afirmou a economista

Na entrevista, ela destaca a perspectiva de mais inflação no mundo à medida que empresários precificam antecipadamente aumento de tarifas para poder negociar preços mais adiante. Utsumi também analisa o comportamento dos americanos, que já demonstram insatisfação e os riscos para o Brasil. A economista destaca o limite de crescimento da economia brasileira e os motivos pelos quais os preços resistem a ceder e complicam a vida do governo.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Porque o desempenho da economia brasileira em 2024 foi tão diferente do que o mercado projetava inicialmente, onde foi o erro?
O crescimento do PIB foi melhor do que o 1% a 1,5% que se imaginava. Todo mundo começou 2024 achando que, com juros altos nos Estados Unidos e a China patinando, a economia brasileira não resistiria a esse cenário externo. Mas no fim das contas, a China não foi tão mal e cresceu 5%, dentro da meta. O temor de recessão nos Estados Unidos não se confirmou e eles cresceram mais do que o esperado. Com isso, o setor externo no Brasil, em 2024, teve um desempenho bastante positivo. O problema é que, como o Brasil sempre teve cobertor curto, começou a viver inflação por causa do crescimento da economia. PIB alto é dinheiro na economia. Infelizmente, a capacidade da economia brasileira de crescer acima do potencial sem gerar inflação é baixa. E o Brasil ainda sofre o efeito defasado da desvalorização cambial do final de 2024. O núcleo da inflação está mais alto e, quando isso acontece, o índice demora mais para arrefecer, porque é mais estrutural: os preços dos serviços, do aluguel, dos custos de saúde. E tem um fator que é crônico no mundo todo, em especial após a pandemia, que é quando a economia cresce, as empresas aproveitam para aumentar a margem. Isso gera mais inflação.

Acredita que há espaço para fazer algo mais depois da reforma tributária?
Foi possível aprovar uma reforma mas, depois de 20 anos, ela não é mais suficiente. Tudo acontece muito tarde no Brasil. Agora, não há força política para fazer algo mais estrutural, de longo prazo. Com isso, o Brasil está sempre agindo para corrigir o que não dá mais para empurrar com a barriga, está sempre correndo atrás. Com eleição em 2026, não há mais espaço político para grandes reformas. O governo tem que garantir que o fiscal não irá piorar. Até porque, agora, há um tema maior que começa a impactar o mundo todo: os desmandos do presidente Donald Trump, que podem levar a economia americana para uma situação delicada. Se os Estados Unidos entrarem em recessão, arrastarão boa parte do mundo. E, logicamente, diante de uma correção nos mercados financeiros, o real também fica exposto a nova desvalorização. Sempre que há uma crise financeira, o dinheiro sai dos emergentes.

A guerra comercial é só uma ameaça, uma intimidação?
Uma guerra comercial, com retaliações é complicado. Um exemplo: os Estados Unidos concorrem com Brasil na comercialização mundial de soja. Se os Estados Unidos fecham o mercado para estrangeiros, e outros países fazem retaliação, aos americanos, para o Brasil, pode ser bom num primeiro momento. Mas nunca se sabe para onde vai para um tiro assim. Porque se, num segundo momento, os Estados Unidos acharem que o Brasil está pegando parte do mercado deles, vão querer colocar o Brasil na linha de tiro. Isso eleva a inflação e dá mais motivos para ela seguir acelerando. Na incerteza, enquanto o empresário puder, vai aumentar a margem de lucro. Produtores já estão tentando aumentar margem agora para poderem, lá na frente, negociar preços. Os exportadores brasileiros vão aproveitar enquanto há crescimento do mercado para empurrar margem.

E, com isso, o movimento inflacionário cresce.
No mundo todo. Essa semana, os alemães abriram o cofre. Virá um mega projeto de financiamento europeu para defesa e para reabilitar a indústria alemã. Reestruturação da indústria exige mais aço, mais metais industriais. Se houver o fim da guerra na Ucrânia, será preciso reconstruir o país e as matérias primas básicas vão sofrer alta de preços. O problema é que, com esses movimentos dos Estados Unidos, tudo muda o tempo tempo. O que se fala e projeta não tem validade de seis meses. Num cenário onde ninguém sabe para onde vai, quem pode vai garantir sua margem na hora que der. Então, o cenário é de inflação no mundo.

Não há nada de bom neste cenário?
A única coisa boa é que os europeus estão se mexendo, em função de tudo isso. Dá até para fazer um trocadilho: Trump não trouxe de volta o movimento de campanha e da sua primeira gestão Maga [acrônimo para Make America Great Again, em português, faça a América grande novamente] e, sim, o Mega [Make Europe Great Again, faça a Europa grande de novo]. Principalmente depois da semana passada [quando houve o bate boca de Donald Trump com Volodymyr Zelensky, da Ucrânia no Salão Oval da Casa Branca], acabou qualquer tipo de reserva. Alemão, francês e britânico viram que precisam fazer algo. Por isso, o primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, recém eleito, anunciou que vai mudar a constituição para poder ter déficit fiscal. Lá, eles têm um marco zero, que obriga a gerar resultado primário zero. E eles farão isso para investir em segurança e criar um fundo para recuperação da indústria. Só aí serão 700 bilhões de euro. E para Alemanha resolver gastar, é porque a coisa não está boa. Mas, ou Alemanha moderniza e reabilita a indústria ou poder ser engolidos Rússia um dia. Com isso, a Alemanha está salvando os franceses e os Itália anos também das regras fiscais e haverá investimentos no setor produtivo.

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