PODER E POLÍTICA. SUA PLATAFORMA. DIRETO DO PLANALTO

‘O Supremo precisa saber em quais brigas vale entrar’, diz especialista

Um dos maiores estudiosos de STF do país, o professor Oscar Vilhena Vieira diz o que a corte precisa fazer para preservar seu capital político

Foto: Reprodução/CEUB
Foto: Reprodução/CEUB

Diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o professor Oscar Vilhena Vieira afirma que a Constituição de 1988 escolheu o Supremo Tribunal Federal (STF) para ter a última palavra na interpretação do texto constitucional. Na prática, a corte é uma espécie de poder moderador, que pode derrubar decisões de outros poderes, e isso explica seu protagonismo.

Com tanto poder nas mãos, analisa Vilhena, o Supremo precisa ter a sabedoria de escolher em quais brigas vale a pena entrar. O professor, mestre em Direito pela Columbia e pós-doutor por Oxford, não tem dúvida ao apontar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como responsável pelo acirramento da tensão entre políticos e integrantes do tribunal nos últimos anos. Para ele, objetivo parece evidente para ele: chamar os militares para um golpe de estado, reacendendo uma disputa histórica entre as forças militares e Judiciário. Eis a entrevista:

Por que o Supremo está hoje na berlinda?
Para analisar o Supremo hoje é preciso levar em conta a importância que o tribunal teve para conter os arroubos do ex-presidente Jair Bolsonaro em áreas como a defesa do sistema eleitoral, a investigação sobre as tentativas de golpe de Estado, na proteção ao sistema de saúde durante a pandemia e nas defesas de direitos fundamentais de povos indígenas e na proteção do meio ambiente.

E qual foi a importância dessa atuação?
Graças ao tribunal, não houve uma desconstrução dos marcos constitucionais como em países como a Índia, Venezuela, Hungria ou Polônia, por exemplo. Até mesmo nos Estados Unidos a Suprema Corte acabou sucumbindo (em relação a Donald Trump). O Supremo é uma instituição de mais de 100 anos, com uma história que passa pela Primeira República, com o habeas corpus. Em 1937, no Estado Novo, cinco ministros foram aposentados e o Congresso ganhou o poder de revogar decisões. Durante a ditadura militar, o Ato Institucional Número 5 cassou três ministros e outros dois se aposentaram em protesto. Isso mostra que houve resistência. Nunca foi um tribunal decorativo.

O Supremo usurpa funções de outros poderes?
A Constituição de 1988 deu um conjunto muito grande de atribuições ao STF, muito maior do que as cortes supremas de outros países. Se houve uma usurpação de outros poderes, é uma usurpação constitucional. O Supremo é a última corte de recursos e a primeira instância criminal de altas autoridades. Seus ministros comandam também o Tribunal Superior Eleitoral, que organiza as eleições, e, com a Emenda Constitucional 45, o Conselho Nacional de Justiça, que tem poder disciplinar sobre o Judiciário. Tem a última palavra sobre as emendas constitucionais, que são o ato mais grave do Congresso.

E como o conflito começou?
No primeiro ano do governo houve uma tentativa muito frágil de construção de um pacto republicano, na presidência do ministro Dias Toffoli. Isso terminou em 2020, com a pandemia, quando o governo passou a contrariar as recomendações da Organização Mundial da Saúde e o tribunal reagiu em defesa do direito à saúde. O Bolsonaro não tinha força política para fazer um uso abusivo da proposição de leis, com o objetivo de neutralizar o que considera uma ‘Constituição progressista’. Ele precisou partir para um ‘infralegalismo autoritário’, com a retirada de poderes do Ibama ou com a decisão de não demarcar terras indígenas. E esses pontos tiveram reação. Os ataques de Bolsonaro não foram a um ministro, mas à instituição como um todo. Começaram contra Luís Roberto Barroso e passaram por Edson Fachin antes de chegar a Alexandre de Moraes.

E a reação de Jair Bolsonaro, o que significou?
O ex-presidente provocou uma colisão entre os militares e o STF. Ele moveu placas tectônicas em uma disputa para quem tem a última palavra. A própria pressão admitida pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas contra a possibilidade de concessão de um habeas corpus a Lula mostra essa disputa. Os acampamentos na porta dos quartéis contra o Supremo nas comemorações de 7 de setembro são muito representativos dessa tentativa de criar o conflito entre judicialismo e militarismo. A situação foi superada porque alguns militares decidiram não embarcar numa tentativa de golpe. A sociedade civil e a comunidade internacional também tiveram um peso para inviabilizar o levante. Como usar o discurso do debate ao comunismo quando a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) defendem a democracia? O governo dos Estados Unidos e a União Europeia também deixaram claro que não aceitariam um golpe.

É a única origem dos ataques ao tribunal?
O STF criou um ressentimento da extrema direita por ter sido favorável à criação de políticas afirmativas, o casamento homossexual e as pesquisas com células-tronco, por exemplo. Da mesma forma que desagradou a esquerda quando endossou a Lava-Jato. A situação mudou quando passou a ter uma visão crítica sobre a operação e derrubou as condenações contra o presidente Lula.

O que o senhor pensa sobre a restrição a decisões monocráticas?
A última palavra é do colegiado, mas a decisão individual pode ter uma sobrevida que faz com que a questão já tenha sido resolvida antes mesmo de ser submetida ao pleno. É uma situação ruim porque existe o risco de uma má decisão prevalecer. É um problema do ponto de vista político, porque expõe a reputação dos ministros, e jurídico, porque as opiniões divergentes dos ministros podem fazer com que as decisões sejam desiguais em casos semelhantes. Como presidente, a ex-ministra Rosa Weber já mudou o regimento para que as decisões monocráticas sejam submetidas logo ao colegiado.

Como os ministros devem agir, em geral?
O Supremo precisa ser mais seletivo nas pautas que decide assumir, para preservar o seu capital político. Hoje, o tribunal não escolhe suas brigas. Até porque os onze ministros têm pautas e prioridades diferentes. Eu critico também o momento em que o Supremo passa a orientar o Executivo e o Legislativo sobre como devem fazer para resolver algo, como no caso das emendas ao Orçamento. Cabe exigir o respeito à Constituição, mas é complicado propor uma solução. Como fica o Supremo se a proposta fracassa?

search-icon-modal