A novela das emendas parlamentares teve um novo capítulo nesta terça-feira, 18, com ares de repetição. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), após ser provocado pelo PSOL, respondeu com uma intimação à Câmara, ao Senado e à Advocacia-Geral da União (AGU) para explicarem o drible que deram no STF na semana passada. Ao aprovarem com votação esmagadora uma resolução sobre a liberação dessas verbas, abriram espaço para manter em segredo os nomes de deputados que destinam recursos de bancada para suas bases. Deputados, senadores, governistas, centristas e oposição ignoraram a decisão do ministro e da própria Corte que proíbe o pagamento dessas emendas.
Apesar do questionamento de Dino, que deu dez dias de prazo para receber as explicações, a Câmara dobrou a aposta e aprovou, na noite de terça, com 347 votos favoráveis e 114 contrários, o projeto de lei complementar (PLP) 22/2025, que amplia o prazo para o pagamento de emendas empenhadas em anos anteriores, mas que tinham sido canceladas por fazerem parte do “orçamento secreto”.
Enquanto a resolução aprovada na semana passada pelo Congresso tratava do futuro das emendas, perpetuando a possibilidade de que deputados possam não assumir a destinação de verbas, a proposta votada nesta terça pelos deputados trata do passado, cobrando o pagamento de recursos que já foram destinados sem transparência devida. Os dois projetos, no entanto, unem os opostos, do PL ao PT, para dar um drible duplo no STF.
Antes da votação, havia na Câmara um ar de perplexidade em relação à decisão tomada por Dino. Deputados lamuriavam a atitude do ministro com um ar de "já vi esse filme". Durante a sessão, congressistas bolsonaristas e governistas encenaram bate-bocas, xingamentos, provocações e davam a qualquer pessoa desavisada a ideia de uma verdadeira batalha em plenário. Só que não era bem isso. No mérito do que estava sendo discutido, os opostos se atraíram no plenário. Só PSOL e o Novo não aderiram.
O texto aprovado libera o pagamento de recursos indicados no Orçamento entre 2019 e 2022, que não podiam mais ser pagos, que são chamados "restos a pagar cancelados". A ampliação do alcance do projeto pelos deputados fará com que a proposta tenha que ser novamente votada pelo Senado.
Contradições
Tudo que parlamentares esperavam era que Dino não fosse provocado, mas o PSOL apresentou uma reclamação ao ministro, que respondeu com um pedido de informações ao Congresso e à AGU. Poucos deputados que votaram a favor da resolução tentaram se explicar. Uns alegam ter acreditado que o texto foi acordado com o STF e que não sabiam sobre a brecha. Outros disseram que é urgente a aprovação do orçamento deste ano para não prejudicar o governo e suas destinações para políticas públicas. A liberação das emendas, nesse caso, serviria para destravar as votações do Orçamento.
O deputado Bibo Nunes (PL-RS), é do time que diz ter acreditado no acordo e que votou a favor do texto por ser "a favor da transparência". Ele foi contraditório ao dizer que acha natural constar só o nome do líder, visto que, na opinião dele, outros deputados poderão ser também líderes no futuro. "É natural que o líder tenha uma expressão maior que outro deputado", diz Nunes. "Mas todos os nomes têm que aparecer. O deputado que não quer mostrar o seu nome não pode destinar emendas", acrescentou.
Ex-líder do PT na Câmara, o deputado Odair Cunha (MG) se surpreendeu com o pedido de Dino e disse que não sabia que a resolução na qual ele votou de forma favorável na semana passada não fazia parte de um acordo com o ministro: "De novo?", questionou ao tomar conhecimento da decisão. "Eu achei que isso estava pactuado", disse.
A deputada Maria do Rosário, que também votou remotamente a favor da resolução, afirmou que é necessário destravar o orçamento. "Eu só acho que tem que encontrar um acordo porque isso está atrapalhando o Brasil enormemente. As emendas não podem ser como estão, mas é preciso resolver o mais breve possível isso. A cada 10 dias, estamos prejudicando pessoas muito sérias", disse a deputada.
Um deputado do PSD que se ausentou da votação na semana passada disse que não concorda com a resolução, apesar de seu partido ter orientado a aprovação da proposta. "Eu não entendo alguém querer destinar um recurso e não ter o seu nome associado a isso. Não pode ser assim. Isso é dinheiro público", afirmou.
Tratoraço
A sessão da semana passada ocorreu com o plenário praticamente vazio, mas teve apoio maciço de deputados de vários partidos, da esquerda à direita. O presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP) ignorou os apelos do PSOL e do Novo e seguiu com a votação remota. Conseguiu aprovar com 394 votos favoráveis, 33 contrários e nenhuma abstenção.
Dino, agora, quer explicações dos demais Poderes antes de decidir sobre o pedido feito pelo PSOL, nesta segunda-feira, 17, questionando a constitucionalidade da resolução que permite manter no anonimato os responsáveis pela indicação das emendas parlamentares. O partido pediu que a Corte adote as medidas necessárias para que seja garantida a transparência dos recursos conforme entendimento do próprio STF.