Garantir a liberdade de expressão sem deixar que a internet seja um território livre para crimes. O desafio é gigantesco e se impõe não apenas ao Brasil, mas a vários países ao redor do planeta que estão sendo obrigados a enfrentar o debate sobre regulação do mundo digital.

Para discutir o tema, o PlatôBR promoveu nesta terça-feira, 15, em Brasília o fórum "O Brasil e as Plataformas Digitais: qual futuro nos espera".

Convidado especial, o professor Joan Barata, pesquisador do Programa de Regulação de Plataformas da Stanford University e do Projeto Futuro da Liberdade de Expressão da Vanderbilt University, observou que, entre garantir a liberdade dos usuários e evitar conteúdos maliciosos, a responsabilidade deve ser compartilhada tanto pelos governos quanto pelas plataformas. "Não há uma oposição entre as duas coisas", disse.

Joan Barata destacou a importância de separar dois territórios “que não devem se misturar”, apesar de estarem representados pela mesma palavra: i) a responsabilidade no que tange à obrigação geral, moral e ética e ii) a responsabilidade legal, que inclui as implicações jurídicas e financeiras.

Necessidade de mitigar riscos
Para um público composto por representantes do governo federal, de agências reguladoras e do Congresso Nacional, além de advogados especializados no tema, o professor falou sobre modelos adotados mundo afora, como as experiências da Europa e dos Estados Unidos, e apontou a necessidade de transparência e de adoção de medidas para mitigar os riscos existentes no mundo digital.

O Brasil e as plataformas digitais

O professor Joan Barata: para ele, é possível garantir a liberdade de expressão sem liberar os crimes

Barata indicou a necessidade de proteger a democracia e apontou, como alternativa, a ideia de adotar organismos reguladores independentes que sejam capazes, por exemplo, de conter manipulações políticas. "Se sua plataforma ativamente se engaja no monitoramento do conteúdo, tem que estar atenta ao que deve ser disseminado", destacou.

"Existem deveres que precisam ser respeitados, e o fato de não respeitarem não tira essa responsabilidade das plataformas. (...) Essa discussão tem um caráter fundamental e vai tocar na questão da democracia, do pluralismo. É necessário sempre respeitar a liberdade de expressão", defendeu.

Governo nega "censura"
Secretário de Políticas Digitais da Secom (Secretaria de Comunicação) da Presidência da República, João Brant, rechaçou a ideia de que o governo federal, defensor da regulação, tenha o propósito de controlar a livre circulação de informações nas redes sociais.

"Tem uma ideia de que o governo gostaria de controlar o conteúdo que circula nas redes sociais. Isso não é verdade. O governo nunca propôs nenhuma ação que tivesse qualquer tipo de controle sobre o discurso do cidadão. O governo quer que as plataformas sejam capazes de oferecer um ambiente que seja mais seguro para o cidadão, que tenham responsabilidades administrativas e legais que as levem a isso", disse Brant, ao lado do vice-presidente do Senado Federal, senador Eduardo Gomes (PL-TO). 

O secretário tem articulado, a partir do Palácio do Planalto, meios de reavivar a discussão sobre a regulação das plataformas no Congresso. O tema perdeu tração no ano passado, depois que o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou um requerimento de urgência para levar à votação o PL 2630, conhecido como PL das Fake News, que inclui medidas para regular a atividade das chamadas big techs.

O Brasil e as plataformas digitais

O secretário Brant e Eduardo Gomes, vice-presidente do Senado: regulação não pode ferir a liberdade

A ideia do Planalto para tentar facilitar a retomada das discussões entre os parlamentares é envolver no debate dois temas de apelo popular considerados bastante urgentes: a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital e o combate a fraudes de golpes. O governo ainda não sabe, porém, como fará isso - se vai ser por meio de uma nova proposta ou aproveitando projetos que já estão em tramitação. 

Uma das questões centrais, que também está sob análise do STF (Supremo Tribunal Federal) em um julgamento que deverá ser retomado até o próximo mês, é se as plataformas devem fazer o controle de conteúdos considerados impróprios ou criminosos ou se só se obrigam a retirá-los se houver uma decisão judicial.

"Regular pela liberdade"
"Hoje a gente pode dizer tudo que é ilegal offline é também ilegal online. Mas se o único mecanismo de repressão ao conteúdo ilegal depende de uma ordem judicial para chegar lá, esse dano já aconteceu", disse Brant. "É preciso ter capacidade de investigar, de atuar antes, de atuar de forma preventiva e de evitar que esse conteúdo apareça", emendou.

O senador Eduardo Gomes, que foi relator da proposta que regula a inteligência artificial, recém-enviada à Câmara, ponderou que é necessário separar a discussão sobre regulação das plataformas do ambiente político polarizado. Para ele, é preciso "regular para a liberdade". Gomes defende que as propostas não misturem muito os temas para não correrem o risco de emperrar na tramitação. "É necessário afastar uma série de fantasmas."

"Quando começamos a conversar sobre esse assunto havia uma corrente muito grande que defendia que, embora fosse um projeto de regulamentação de uso da IA, deveria dar carona a todo debate sobe uso de rede social, sobre fake news e sobre a política no Brasil", afirmou. "A gente vive nos últimos 3 ou 4 anos uma necessidade quase que diária de envolver todos os assuntos na polarização política."

Para o senador, as pessoas costumam buscar "verdades instantâneas", que acabam simplificando discussões que são complexas, como a da própria regulação. "Há uma tendência muito grande de aparecerem as verdades instantâneas diárias do uso das informações, o confronto direto sobre esses assuntos e isso acaba tirando a atenção sobre o que realmente interessa", disse. "As pessoas querem encerrar essas questões simplificando aquilo que está ali. E esse tema está longe de ser simples", enfatizou.

O Brasil e as plataformas digitais

Galvão, Cruz e Luna: para especialistas, há pontos ainda em aberto nas discussões sobre a regulação no Brasil

"Acho que o Estado vai ter que trabalhar um canal eficiente de comunicação e fiscalização dentro do que é mais sensível, destacando a importância da proteção à criança e a adolescência, atitudes em relação ao direito do cidadão, contra preconceitos. Essas ações devem ter amparo em uma provocação que o governo deve fazer, dentro da lei, não tirando a responsabilidade de outros setores que devem trabalhar nesse mesmo ambiente", ponderou o vice-presidente do Senado, que faz oposição ao Planalto. 

Liberdade de imprensa e interesse político
Para Francisco Brito Cruz, professor do IDP e especialista em direito digital, antes de se definir as obrigações das plataformas é preciso definir qual órgão fará a regulação. "A gente precisa virar esse debate de ponta a cabeça. É preciso saber qual é a nossa capacidade regulatória para saber o que a gente vai ter capacidade de fazer (para regular)", defendeu.

Mônica Galvão, advogada especialista em liberdade de expressão e do pensamento e cofundadora do Instituto Tornavoz, apontou o perigo que o monitoramento dos conteúdos pelas plataformas para atender às obrigações da regulação pode representar, por exemplo, para a liberdade de imprensa e para o livre exercício do jornalismo. "O conteúdo jornalístico é potencialmente ofensivo a alguém", ressaltou.

"Se eu estabelecer uma responsabilidade objetiva (para as plataformas, o que poderia levá-las a excluir tudo o que for ofensivo a alguém), eu vou criar um sistema extremamente desfavorável à liberdade de imprensa", observou.

Igor Luna, consultor jurídico da Câmara Brasileira de Economia Digital, a Camara-e.net, defendeu que a política regulatória seja uma iniciativa de Estado, livre de interesses dos governos de ocasião. "Precisa ser resistente às mudanças de governo, até porque a democracia pressupõe a oxigenação de poder", disse o advogado durante um dos três painéis do fórum, que teve apoio do Google.