Bolsonaro e o silêncio barulhento de uma UTI
Somente quem já esteve por alguns dias em uma Unidade de Terapia Intensiva, UTI para os íntimos, sabe o quanto é doloroso e solitário o monólogo que ali se trava consigo mesmo. Conectado a fios minúsculos, corpo invadido por tubos e seringas e o orgulho despojado de todas limitações, o ser humano ali prostrado e indefeso reflete, se pune, perdoa, condena e se agarra sem perceber a sacristias e terreiros, na ânsia de querer viver.
Quase sempre chora, e reza. Imbroxável, segundo ele, determinado e para alguns símbolo vivo do chamado macho alpha, Jair Bolsonaro talvez nem se encaixe muito bem nesse perfil de lamúrias, que grande parcela da humanidade admite sem dificuldades o que significa tal penitência. Não temer a morte, ou dela zombar, faz parte do cotidiano de muitos.
Conheço poucos, mas existem. Para quem ironizava pacientes sufocados pela falta de ar durante as crises de Covid 19, e as famílias angustiadas por não ter onde sepultar parentes, ele dizia não ser coveiro, a conta fecha, tudo se encaixa.
Analogias negativas à parte, vamos à triste realidade. É delicado e preocupante o dia a dia da saúde do ex-presidente, até leigos sabem disso. Nesse pacote de preocupações estão idade, temperamento, ansiedade, adversários e a sombra da justiça.
O covarde atentado de que foi vítima Bolsonaro durante a campanha eleitoral, está na raiz de todo esse drama, todos sabem disso.
Mesmo com o quadro sabidamente grave e perigoso, desde as primeiras intervenções cirúrgicas, nada foi alterado na intempestiva e muitas vezes irresponsável atividade diária do paciente, que subia morros, pilotava motos e esbravejava Brasil afora a sua fúria desconexa contra adversários que, dentro das quatro linhas, o venceram nas urnas e no voto. Filhos radicais, e com as vistas embaçadas pela ânsia de poder, estão no grupo de apoiadores e outros políticos que atiçam o capitão a nunca desistir de ocupar a todo custo o palco que ele um dia alcançou, mesmo sabendo que o sinal vermelho há muito está ligado.
Obcecado, sem se importar com as bizarrices absurdas que assessores o obrigam a fazer, ele esbraveja em palanques desordenados, onde até se dispõe a fazer apelos numa língua que nem o nome ele sabe desenhar. Tudo muito patético, mas qualquer coisa parecida com bom senso e equilíbrio passa longe dessa estranha confraria. As pataquadas ridículas diante dos quartéis militares, depois da derrota nas eleições passadas, parece que nada representam e os discursos para plateias de surdos desembocaram nessa realidade medonha dos dias de hoje.
De um admirador sensato do ex-presidente ouvi um desabafo tristonho, mas lúcido e realista. Não é possível que o silêncio frio e sombrio de uma UTI não sinalize ou o induza a uma reflexão sobre tudo que acontece a seu redor no momento, ou ao inevitável fiasco que se avizinha com muita clareza, lamentava o admirador entristecido. Acredita ele que nessa reflexão devem ser incluídos itens relacionados a sua vida futura, conforto pessoal, convívio familiar e, pelo menos, ambiente saudável que diminua suas visitas a laboratórios ou centros cirúrgicos.
Todos sabemos que a chance de que isso aconteça resvala no ponto zero, mas a exemplo do futebol, o mundo político também é uma caixinha de surpresas (sic). Nesse ambiente conturbado, que inunda as mídias e a rede social, alguns fatos não escapam de considerações no mínimo curiosas, ou engraçadas. Já com idades avançadas, com questões de saúde sempre nas manchetes e gerando intrigas no cotidiano do País, Lula e Bolsonaro trafegam em vias diferentes, mas na mesma direção. Ou assim parece.
Por ironia, nenhum dos dois até os dias de hoje conseguiu sequer esboçar um nome que os substitua com tamanha força de convencimento popular. As virtudes e defeitos de cada um ficam a critério do eleitor. O futuro nos reserva algumas perguntas ainda sem respostas.
A situação de Lula, de momento, é bem mais confortável e, se souber se cuidar, dias melhores virão. A de Bolsonaro - a cigana ainda não sabe dizer. Uma fonte misteriosa, e cheia de segredos, deixou escorregar que Bolsonaro já admite indicar nos próximos tempos um nome para representá-lo na disputa pela presidência.
Ele sabe que Tarcísio não é Narciso, mas adora um espelho assim mesmo. Tá que não se aguenta para ser o queridinho do Rei.
José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais
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