Ao retomar a análise das denúncias da PGR pela trama golpista no governo Jair Bolsonaro, nesta terça-feira, 22, a Primeira Turma do STF decidirá se colocará no banco dos réus Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro. Martins foi acusado ao lado de outras cinco pessoas no “Núcleo 2” das denúncias de Paulo Gonet sobre a tentativa de golpe — o chefe da PGR fatiou as acusações.
No caso de Martins, os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux vão analisar imputações de cinco crimes: integrar organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
A denúncia da PGR contra Filipe Martins está baseada no que Gonet diz ter sido o papel do ex-assessor de Jair Bolsonaro na elaboração de uma minuta de decreto que implementaria medidas de exceção no país, em dezembro de 2022, após a derrota eleitoral de Bolsonaro para Lula.
Na linha do tempo traçada pelo procurador-geral da República, Martins é citado como parte de três reuniões que teriam tratado da minuta do decreto golpista. Os encontros, todos no Palácio da Alvorada, teriam ocorrido entre o fim de novembro de 2022 e o começo de dezembro daquele ano.
Além da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a PGR cita como evidências contra Martins registros de entrada no Alvorada, o depoimento do então comandante do Exército, general Freire Gomes, e dois arquivos apreendidos pela Polícia Federal com outros investigados: um contém fotos do suposto decreto, e o outro inclui a estrutura de um “gabinete de crise” a ser instaurado após o golpe, do qual Martins faria parte.
Reuniões no Alvorada
A primeira reunião citada na denúncia da PGR sobre a minuta do golpe com participação de Filipe Martins, teria ocorrido em 19 de novembro de 2022. Segundo a denúncia, com base nos relatos de Mauro Cid, Martins e Bolsonaro conversaram na ocasião sobre a elaboração do documento. Os registros de entrada do Alvorada mostram que o assessor chegou ao palácio às 14h59 daquele dia.
Em 6 de dezembro de 2022, ainda conforme Cid, Bolsonaro recebeu de Filipe Martins a minuta do decreto. O documento apontava supostas interferências do Judiciário no Executivo e decretava a realização de novas eleições, além da prisão de autoridades como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A PGR afirmou que, de acordo com o delator, Bolsonaro fez ajustes na minuta. Manteve a prisão somente de Moraes e a realização de uma nova eleição presidencial.
A denúncia de Paulo Gonet situa em 7 de dezembro a segunda reunião no Alvorada com participação de Filipe Martins. O encontro nesse dia incluiu Bolsonaro, Martins, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, o general Freire Gomes, então comandante do Exército, e Almir Garnier, então comandante da Marinha. A entrada deles ficou registada no palácio.
Na reunião, conforme disse Freire Gomes à PF, Martins teria lido o decreto e exposto os “fundamentos técnicos” da minuta. O general disse que o assessor saiu da sala após a leitura do texto e a reunião prosseguiu só com Bolsonaro e os militares. Bolsonaro teria afirmado que o documento estava “em estudo” e depois reportaria a evolução do assunto aos comandantes.
Durante o depoimento de Freire Gomes à PF, os investigadores mostraram ao general a foto de um decreto golpista que havia sido encontrada em um aparelho eletrônico de Mauro Cid. Eles perguntaram ao militar se aquele era o documento apresentado na reunião do Alvorada e Freire Gomes respondeu que sim.
A minuta fazia uma série de considerações sobre a Constituição, apontava supostas ilegalidades do Judiciário na eleição presidencial de 2022 e decretava Estado de Sítio e Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no país.
Depois dessa primeira apresentação do decreto golpista aos comandantes militares e ao ministro da Defesa, a PGR narra que Bolsonaro buscou fazer ajustes no texto. Eles teriam sido debatidos em uma nova reunião no Alvorada, a terceira com a presença de Filipe Martins, dessa vez em 9 de dezembro. O ex-ministro Walter Braga Netto e o ex-assessor Marcelo Câmara também teriam participado do encontro.
Segundo a PGR, Jair Bolsonaro decidiu na ocasião “dar seguimento ao plano golpista”. Em seguida, no mesmo dia, o então presidente chamou ao palácio o general Estevam Theóphilo, que era chefe do Comando de Operações Terrestres (COTER). O militar, também denunciado pela PGR, teria sido um dos que mostrou disposição em aderir ao golpe, conforme a delação de Cid.
‘Gabinete de crise’
Filipe Martins também aparece na denúncia da PGR como possível integrante de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”, que seria instalado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) depois do golpe. Um arquivo sobre esse gabinete foi encontrado pela PF junto ao general Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência.
O documento em poder de Fernandes previa que o gabinete seria destinado a “estabelecer diretrizes estratégicas, de segurança e administrativas para o gerenciamento da crise institucional”. A chefia do órgão seria do então ministro do GSI, general Augusto Heleno, e a coordenação-geral ficaria a cargo de Braga Netto. Mário Fernandes faria parte da assessoria estratégica e Filipe Martins seria responsável por relações institucionais.
Defesa de Filipe Martins
Liderada pelo desembargador aposentado do Distrito Federal Sebastião Coelho, a defesa de Filipe Martins nega todas as acusações da PGR contra o ex-assessor. Ao se manifestar ao STF após a denúncia, o defensor a classificou como “escândalo judiciário”, disse que a PGR se baseou em “alegações frágeis”, sobretudo a delação de Mauro Cid, e não apresentou provas concretas contra Martins.
O advogado afirmou que a prisão de Filipe Martins, ordenada por Alexandre de Moraes, destinou-se a forçá-lo a fechar uma delação premiada e que o ex-assessor de Bolsonaro é alvo de “lawfare”, ou seja, uso do sistema de justiça como instrumento de perseguição política.
Sobre o decreto da minuta golpista, ponto central da acusação da PGR contra Martins, a defesa disse que “ninguém jamais viu” esse documento. O que a denúncia traz, segundo o advogado, é “uma fotografia de um documento apócrifo encontrado unicamente com o delator” e sem prova de relação com Filipe Martins.
Entre os pontos da defesa prévia apresentada ao STF, Sebastião Coelho também questionou a voluntariedade da delação de Mauro Cid; alegou que a PGR distorceu e mentiu sobre o depoimento do general Freire Gomes; argumentou que o STF não deveria julgar o caso; e pediu o impedimento de Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino.