Em 1965, o então papa Paulo VI estabeleceu normas para o conclave e fixou em 120 o número máximo de cardeais eleitores, desde que tivessem menos de 80 anos. Depois, a constituição apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 1996, confirmou a mesma orientação.
De acordo com João Paulo II, seria uma orientação prática, não um dogma imutável. Tanto que, em 2003, quando o próprio João Paulo II era papa, o número de cardeais eleitores passou a ser 135. Em 2012, no papado de Bento XVI, havia 125 cardeais eleitores.
O texto da Universi Dominici Gregis, na avaliação de especialistas, deixa margem para flexibilidade, pois o papa, como legislador supremo da Igreja, tem o direito de modificar o conteúdo de documentos católicos.
No entanto, há uma expectativa agora na cúpula da Igreja de que cardeais conservadores contrários à linha de ação do papa Francisco, como Raymond Leo Burke, dos Estados Unidos, e Robert Sarah, da Guiné, questionem no conclave o número de 135 eleitores, por ultrapassar os 120 previstos na Constituição Apostólica promulgada por João Paulo II.
Burke, tido como o maior crítico de Francisco, é prefeito emérito do Supremo Tribunal da Assembleia Apostólica, responsável por julgar casos eclesiásticos. Sarah, que aparece como um candidato a papa do campo conservador, é um bispo negro defensor da identidade europeia (diz que ela está perdendo seus valores) e da missa tridentina (em latim, com o celebrante de costas). É prefeito-emérito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.
O papa Francisco, como os seus antecessores João Paulo II e Bento XVI, elevou o número de eleitores para o conclave, desta vez privilegiando a nomeação de cardeais de regiões como a África e a Ásia, as chamadas “periferias do mundo”. Ele nomeou 80% dos atuais votantes. Com essa ampliação e maior abertura para outros continentes, na avaliação de especialistas, o próximo conclave tem mais chances de eleger um papa com um perfil mais próximo de Francisco, tido como “progressista”.
“Cardeais como Burke e Sarah levantarão essa questão no intuito de eliminar os excedentes atuais, ou seja, os que ultrapassam os 120 previstos na Constituição Apostólica. Mas será difícil decidir quais os 15 que sofrerão a pena”, avalia o teólogo Manoel Godoy, professor de Teologia da Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte.
Caso cardeais contrários a Francisco defendam a exclusão de 15 eleitores - e a proposta venha a ser acatada -, não há, no entanto, um critério para isso. No mínimo, a medida causaria muita polêmica. “Se o critério for por data de nomeação, os 15 últimos são, com algumas exceções, os mais identificados com o pontificado de Francisco. Aí fica claro que o critério é político e não eclesial. Abre-se um excedente perigoso”, diz Godoy.
Nessa hipótese de 15 dos últimos eleitores nomeados ficarem de fora do conclave, o brasileiro dom Jaime Spengler (foto), arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB (Conferência Nacional do Bispos do Brasil), nomeado cardeal por Francisco em dezembro de 2024, seria um dos excluídos.
Para resolver temas delicados como esse, o colégio cardinalício deverá ouvir alguns de seus integrantes como o cardeal emérito italiano Gianfranco Ghirlanda, especialista em Direito Canônico.
Outro caso a ser resolvido pela Igreja antes do conclave é o do cardeal italiano Giovanni Angelo Becciu, acusado de fraude e desvios de doações de fiéis. Ex-assessor de Francisco, ele foi afastado de funções na Cúria Romana e impedido de participar do conclave, mas deu declarações afirmando que pretende participar.
Becciu, ex-núncio apostólico em Angola e Cuba, foi nomeado por Bento XVI e cuidou dos assuntos gerais da Secretaria de Estado do Vaticano, uma posição-chave na Cúria Romana. Em 2021, um juiz do Vaticano ordenou que ele e outras nove pessoas fossem julgados sob a acusação de peculato, abuso de poder e suborno. Em 2023, ele foi condenado a cinco anos e meio de prisão.