CIDADE DO VATICANO - Um funeral marcado pelos contrastes, no qual se pôde pensar nas oposições entre paz e guerra, pontes e muros, suntuosidade e simplicidade, conservadorismo e progresso. A atmosfera que pairou sobre as cerimônias, e à margem delas, permitiu reflexões - até que a grandiosidade do velório papal tivesse seu desfecho no subsolo da Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, no silêncio de um caixão de madeira, sepultado no túmulo em mármore, no nível do solo, com a inscrição Franciscus, Francisco em latim.

Em vida, o papa Francisco estabeleceu o que queria para seu sepultamento, simplificando rituais suntuosos. E assim foi feito. Ele também aceitou tradições que não poderiam ser mudadas, em nome da manutenção dos ritos da Igreja. E seu desejo foi obedecido. O túmulo do papa foi preparado na nave lateral da basílica, próximo ao altar dedicado a São Francisco.

A missa do funeral foi celebrada pelo cardeal-decano, o italiano Giovanni Battista Re, que apontou os opostos em seu sermão e a opção feita pelo papa Francisco contra a guerra. Com o presidente americano Donald Trump entre as cinco dezenas de chefes de Estado presentes, o cardeal exaltou os posicionamentos do papa morto pela paz mundial e a necessidade, como ele pregava, de "construir pontes e não muros".

"É uma exortação que ele repetiu muitas vezes, e o serviço da fé como sucessor do apóstolo Pedro esteve sempre unido ao serviço do homem em todas as suas dimensões", disse o decano.

"Perante o eclodir de tantas guerras nos últimos anos, com horrores desumanos e inúmeras mortes e destruições, o papa Francisco levantou incessantemente a sua voz implorando a paz e convidando à sensatez, a uma negociação honesta para encontrar soluções possíveis, porque a guerra – dizia ele – é apenas morte de pessoas e destruição de casas, hospitais e escolas. A guerra deixa sempre o mundo pior do que estava: é sempre uma derrota dolorosa e trágica para todos", pregou o cardeal.

Paz x guerra
Antes da missa, algumas cenas tiveram um caráter, no mínimo, intrigante. O que dizer do encontro entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, dentro da Basílica de São Pedro, antes do início da Missa das Exéquias? A conversa entre os dois durou cerca de 15 minutos e rendeu fotos, distribuídas em seguida pela agência oficial ucraniana e divulgadas pelo próprio Zelensky em suas redes.

Trump e Zelensky, frente a frente, conversaram sentados em duas cadeiras puxadas para o imenso salão de mármore, sem assessores ao lado deles. "Boa reunião. Conversamos bastante pessoalmente. Espero que possamos chegar a um acordo em todos os pontos discutidos", afirmou o ucraniano nas redes sociais.

Os dois presidentes ficaram de se encontrar novamente na próxima semana para novas conversas. Outra foto divulgada por Kiev mostra ainda Trump e Zelensky reunidos no mesmo local, mas contando com a presença do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e do presidente francês, Emmanuel Macron.

Lula
Alheio ao conteúdo do que o americano e o ucraniano falaram, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o importante é que se converse, mas indicou que as tratativas para a paz não podem ficar restritas apenas a Trump e Zelensky, mas também incluir o russo Vladimir Putin.

“Eu não sei o que eles conversaram, não posso intuir. O que importa é que se converse para encontrar uma saída para essa guerra, porque ela está ficando sem explicação. Ninguém consegue explicar, e ninguém quer falar em paz”, disse Lula, ao embarcar na Itália, rumo ao Brasil.

O presidente brasileiro ainda disse que o diálogo precisa avançar, mas é preciso pensar também na violência "que Israel comete contra a Faixa de Gaza".

"O Brasil continua teimando que a solução é a gente fazer com que os dois (Zelensky e Putin) sentem em uma mesa de negociação e encontrem uma solução", disse o brasileiro. "Não só para a Ucrânia e a Rússia, mas também para a violência que Israel comete contra a Faixa de Gaza”, disse o petista, que buscou ressaltar a preocupação do papa Francisco com a as guerras.

“Perdemos o líder religioso mais importante deste primeiro quarto do século XXI. Papa Francisco não era apenas um papa. Ele era um papa preocupado com a guerra de Gaza, com a fome, com as coisas que afligem o povo do mundo inteiro”, apontou.

“Que o próximo papa seja um homem igual a ele, com o mesmo coração, os mesmos compromissos religiosos, os mesmos compromissos no combate à desigualdade que teve o papa Francisco”, prosseguiu Lula, que participou da cerimônia no Vaticano acompanhado da primeira-dama, Janja da Silva, e por uma comitiva que incluiu os presidentes do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, além de ministros, deputados se senadores. A ex-presidente Dilma Rousseff saiu da China para também participar do velório e se juntou à comitiva brasileira.