As últimas sessões da Primeira Turma do STF deram origem ao rumor de que o clima no colegiado havia azedado. A causa seria a discordância entre Alexandre de Moraes e Luiz Fux em votações sobre as denúncias contra acusados de tentativa de golpe de Estado.

Tudo começou quando Moraes sugeriu pena mais rígida para Débora dos Santos, que ficou conhecida por pichar com batom a estátua da Justiça. Fux fez o contraponto e defendeu punição mais branda. No julgamento que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro réu, Fux também contrariou Moraes, ao legitimar o argumento das defesas de que o STF não era o foro indicado para julgar os processos sobre a trama golpista.

Não resta dúvida de que Fux tornou-se um contraponto a Moraes nas discussões. Acontece todos os dias nas sessões do STF. Dessa vez, foi tratado como crise talvez pela gravidade do assunto em discussão: a tentativa de golpe levada adianta pelo grupo político que estava no poder.

Não é raro que os mesmos protagonistas de uma discussão áspera em plenário sejam vistos em conversas amigáveis minutos depois na sala de lanches, onde os ministros se reúnem para uma espécie de recreio nos intervalos da sessão. No caso de Fux e Moraes, não houve sequer discussão áspera - dentro ou fora do plenário da Primeira Turma. A dissonância de Fux não gerou incômodo entre os ministros. Foi apenas um sinal de que, provavelmente, nem todas as votações sobre a trama golpista serão unânimes.

Brigas de verdade
Mas nem tudo é tranquilo no STF. A lista de brigas de verdade entre ministros na história recente do tribunal é enorme. Em outubro de 2004, foi julgada em plenário uma liminar concedida por Marco Aurélio Mello, hoje aposentado, permitindo que uma grávida de bebê sem cérebro pudesse abortar.

Joaquim Barbosa, atualmente também aposentado, disse que o assunto era muito polêmico para ser decidido por um único ministro. Marco Aurélio respondeu: “Não estamos nos séculos 16, 17 ou 18, em que havia duelo. Se estivéssemos, certamente teríamos um duelo”. Não foram às vias de fato, mas o episódio gerou mal-estar entre os dois por vários anos.

Gilmar Mendes e Barbosa foram protagonistas de uma das discussões mais pesadas do Supremo em 2009. Barbosa acusou o colega, que presidia o tribunal, de estar “destruindo a credibilidade da Justiça brasileira”. E recomendou que o colega saísse às ruas. “Vossa Excelência não está falando com seus capangas do Mato Grosso”, atacou Barbosa.

Outro bate-boca que entrou para a história foi o de Mendes com Luís Roberto Barroso em 2018. No plenário, Barroso disse que o colega era “uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. A frase ficou célebre e virou até camiseta.

Na mesma sessão, Barroso ouviu do colega que ele deveria “fechar seu escritório de advocacia”, em uma insinuação de que o ministro não era isento o suficiente no exercício da magistratura.

“Vossa Excelência, sozinho, envergonha o tribunal. É muito ruim. É muito penoso para todos nós ter que conviver com Vossa Excelência aqui. Não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não é o da Justiça. É uma coisa horrorosa, uma vergonha, um constrangimento. É muito feio isso”, completou Barroso.

Os dois ficaram muito tempo sem se falar depois do bate-boca. Tempos depois, fizeram as pazes.

De volta a 2008: Marco Aurélio ordenou que Eros Grau, hoje também aposentado, não olhasse para ele enquanto falava. Grau ficou bravo e deixou a sessão mais cedo. Precisou de atendimento médico.

Depois da sessão, na sala de lanches, Grau xingou Marco Aurélio e anunciou que estavam de relações cortadas definitivamente. Marco Aurélio fingiu que não ouviu e continuou fazendo a refeição. Grau precisou ser contido por outros ministros presentes para não agredir fisicamente o colega.

Grau, por sua vez, foi alvo de xingamento de Barbosa em outra ocasião, quando foi chamado de “velho caquético” e de “burro” em decorrência de uma decisão judicial que proferiu.

A sala de lanches, aliás, quase foi palco de um crime. Em um livro, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contou em 2019 que ficou a menos de 200 metros de Gilmar Mendes com uma arma em punho, mas desistiu de atirar. Mendes nunca poupou críticas a Janot. Dois anos antes da revelação, o ministro disse em plenário que Janot “vilipendiou” o STF, envolvendo-o em ciladas e usando-o para seus “propósitos espúrios”.

Em 2016, também no plenário, Mendes começou a votar quando ouviu de Ricardo Lewandowski um comentário irônico perguntando se ele já não havia votado. “Vossa excelência já fez coisa mais heterodoxa aqui”, rebateu Mendes. O bate-boca seguiu com ânimos alterados e vozes acima do tom. Lewandowski finalizou com uma frase que também ficou famosa: “Vossa excelência, por favor, me esqueça!”

Outro cenário
Boa parte das discussões ásperas em plenário ocorreu durante a Lava Jato. As investigações que culminaram na condenação e prisão de Luiz Inácio Lula da Silva - e, depois, na libertação dele por nulidade das ações - dividiram o tribunal entre lavajatistas e garantistas. Os ânimos estavam em estado permanente de exaltação.

Hoje, o pano de fundo no STF é o julgamento sobre tentativa de golpe de Estado. Ainda que haja dissenso sobre penas e definições dos crimes pelos quais os réus foram acusados, há consonância no sentido de que os atos praticados são reprováveis e dignos de penalidade. Afinal, o próprio Supremo foi uma das instituições fisicamente atacadas no 8 de janeiro.

“Na verdade, o que há aqui não é discórdia, o que há aqui é dissenso. Eu respeito as posições do ministro Alexandre de Moraes, como também tenho certeza que ele respeita as minhas posições”, disse Fux na sessão de terça-feira, 6. Moraes, que está com o braço imobilizado por ter sido submetido a uma cirurgia, brincou: “Alguns, por falta de notícia, vão falar que foi vossa excelência que machucou meu ombro”.

A verdade é que, agora, não interessa aos ministros do STF alimentar qualquer tipo de discórdia nas relações interpessoais. A imagem de um tribunal coeso é tão importante para os ministros quanto as condenações que provavelmente serão impostas aos poderosos que tentaram derrubar a democracia - e, com ela, o próprio tribunal.