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Militância de fachada

Depois da cadeirada de Datena em Marçal, um dos eventos que mais movimentaram as redes sociais recentemente foi o da foto de Jojo Todynho com Michele Bolsonaro e sua declaração como uma “mulher preta de direita”. Esse posicionamento surpreendeu negativamente os fãs, uma vez que a imagem de Jojo sempre esteve associada à imagem de movimentos identitários, como o de mulheres negras ou o movimento LGBTQIAPN+.

Nos últimos anos, com a crescente visibilidade proporcionada pelas redes sociais, muitas figuras públicas passaram a utilizar a defesa de pautas sociais como uma forma de ganhar popularidade e, em última instância, relevância social e midiática. Essas pautas, que historicamente foram impulsionadas por grupos marginalizados, tornaram-se, em muitos dos casos, recursos para subcelebridades e influenciadores digitais que buscam construir ou fortalecer suas imagens públicas.

Nesse contexto, a adesão a determinadas bandeiras pode ser vista, mais do que como um gesto de convicção política, como uma estratégia de visibilidade. Isso não significa que toda pessoa pública que apoia uma causa o faz de maneira oportunista, mas é inegável que a militância, quando reduzida a um posicionamento superficial, pode servir a interesses pessoais que pouco ou nada têm a ver com o avanço das lutas sociais.

O que estamos testemunhando, então, é o resultado de um processo em que a mercantilização das causas sociais se entrelaça com as dinâmicas das redes sociais e da cultura das celebridades. A militância de fachada coloca-se nesse cenário como um fenômeno em que a defesa de uma causa não é acompanhada de uma ação concreta e sustentada, mas sim de uma performance, um gesto simbólico e leviano que visa atender a uma demanda momentânea de representação. Isso é particularmente problemático quando pensamos em lutas históricas como a dos direitos da população negra, da comunidade LGBTQIAPN+ ou de outras minorias, cujas conquistas são fruto de anos de mobilização e sacrifícios.

Um dos aspectos mais preocupantes da militância de fachada é a sua capacidade de distorcer o significado das lutas sociais. Quando figuras públicas adotam, mesmo que temporariamente, a defesa de uma causa, elas podem contribuir com o esvaziamento dessa causa, transformando-a em um acessório que pode ser descartado no momento em que deixa de ser útil ou vantajoso. Esse movimento cria uma falsa sensação de progresso, na medida em que o apoio superficial não se traduz em mudanças estruturais ou em um comprometimento real com as questões em jogo. Além disso, quando essas figuras públicas eventualmente abandonam as causas que antes defendiam, revelando posicionamentos contrários, há uma sensação de traição, especialmente para aqueles que acreditaram na autenticidade de seu engajamento.

Do ponto de vista sociológico, a militância de fachada pode ser interpretado como parte de um processo mais amplo de espetacularização das causas sociais. Na sociedade contemporânea, o consumo de símbolos, gestos e performances políticas (como as que temos assistido na corrida à prefeitura de São Paulo, por exemplo) se tornou uma peça central da forma como indivíduos e grupos constroem suas identidades e buscam reconhecimento social. Ao mesmo tempo, as redes sociais incentivam a produção contínua de conteúdo, o que faz com que muitos influenciadores e subcelebridades sintam a necessidade de adotar posicionamentos que estejam em sintonia com as demandas do momento. A questão é que ao tratarmos as causas políticas e sociais como commodities, corremos o risco de reduzir a complexidade dessas lutas a uma questão de estilo, e não de substância.

A militância de fachada também nos leva a questionar o papel das audiências e dos movimentos sociais na legitimação dessas figuras. Muitas vezes, figuras públicas são elevadas ao status de “representantes” de determinadas causas sem que tenham necessariamente uma trajetória de engajamento real ou sem que suas ações sejam cuidadosamente avaliadas. Isso é particularmente relevante em um contexto em que os movimentos sociais, muitas vezes, encontram-se em busca de rostos que possam amplificar suas vozes e garantir visibilidade. Mas essa visibilidade pode vir a ter um alto custo se, ao buscar aliados, os movimentos entregarem suas bandeiras a pessoas que estão mais preocupadas com sua própria imagem do que com o avanço coletivo das lutas.

A militância de fachada, portanto, não é apenas uma questão de oportunismo individual, mas essencialmente um reflexo das dinâmicas mais amplas de uma sociedade que, cada vez mais, valoriza a aparência e a performance em detrimento da ação e do compromisso. Nesse sentido, o caso de Jojo Todynho pode ser visto como um sintoma de um problema maior e mais complexo, em que as fronteiras entre o político e o midiático se tornam cada vez mais porosas. Quando figuras públicas adotam causas sociais apenas para depois abandoná-las, elas expõem as fragilidades de um sistema em que a legitimidade das lutas pode ser comprometida pela volatilidade das alianças e pela superficialidade dos compromissos.

Se há uma lição a ser aprendida com esse episódio, é a necessidade de repensarmos a relação entre os movimentos sociais e as figuras públicas que se colocam como porta-vozes dessas causas. Embora a visibilidade proporcionada pelos influenciadores e subcelebridades possa ser útil em alguns momentos, é importante que essa visibilidade venha acompanhada de um compromisso real com as lutas e com os valores que elas representam.

Caso contrário, corremos o risco de transformar causas sociais em objetos de consumo, sujeitos às mesmas dinâmicas de mercado que regulam a fama e o sucesso midiático. E, nesse cenário, quem perde não são as figuras públicas, mas os próprios movimentos, que veem suas bandeiras serem apropriadas e descartadas com a mesma facilidade com que se muda uma foto de perfil nas redes sociais.

Cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper

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