Marine Le Pen deixa o tribunal sorrindo, mesmo após ser condenada por desviar 2,9 milhões de euros do Parlamento Europeu. A sentença: quatro anos de prisão, multa de 100 mil euros e inelegibilidade por cinco anos. Ainda assim, as pesquisas a colocam na liderança com 32% das intenções de voto para 2027. Este fato de março de 2025 mostra uma mudança significativa na política europeia que tem repercussões mundiais.

Esta situação – uma política de extrema-direita condenada por corrupção que se apresenta como defensora do povo e do Estado social – resulta de um processo em que a esquerda tradicional abandonou bandeiras sociais, permitindo que a extrema-direita as utilizasse, junto com discursos nacionalistas.

Para entender esta mudança na Europa, é importante analisar o período entre 1945-1975, quando partidos social-democratas construíram sistemas robustos de proteção social com resultados concretos: mobilidade social, direitos trabalhistas e redução de desigualdades socioeconômicas.

A Suécia construiu um programa social tão ambicioso que decidiu, em plena década de 1970, quando a população era de apenas oito milhões, construir um milhão de novas casas modernas – o chamado “programa do milhão” – independentemente de haver demanda.

Esta visão de sociedade, na qual o estado providenciava desde habitação até educação gratuita, criou um sistema que se estendia para muito além do trabalho e do voto. “Você acordava num apartamento que o movimento dos trabalhadores tinha construído e possuía… Depois do trabalho, você comprava no supermercado cooperativo… Você lia jornais socialistas e ia em férias organizadas pelos trabalhadores”, afirma Andrew Brown no instigante “Fishing in Utopia: Sweden and the Future that Disappeared” (Granta, 2009).

O modelo começou a desmoronar nos anos 1980 com crises econômicas que resultaram no fechamento de estaleiros que empregavam pessoas como Brown, que não fizeram faculdade, criando um vácuo que seria ocupado por forças políticas nacionalistas que prometiam restaurar a segurança social perdida.

A crise financeira de 2008 foi decisiva para a esquerda europeia. Quando bancos faliram, esperava-se que partidos social-democratas defendessem maior proteção social. Em vez disso, adotaram austeridade, com cortes em pensões, demissões no setor público e congelamento de salários. As consequências: queda no apoio eleitoral. O PASOK grego caiu de 44% para 4,7%; o PSOE espanhol perdeu 4 milhões de eleitores.

Enquanto a centro-esquerda recuava, a extrema-direita desenvolveu sua estratégia. Marine Le Pen afirma defender “o modelo social francês contra a globalização selvagem”.

Le Pen, filha, transformou sua imagem política. Abandonou o antissemitismo de seu pai, adotou um nacionalismo mais moderado e incorporou o discurso social antes associado à esquerda. Defende a semana de 35 horas e aposentadoria aos 60 anos, com uma condição: prioridade para franceses “de origem”. Na Itália, Salvini promete “empregos para os italianos primeiro”. Na Alemanha, a AfD propõe restaurar “a Alemanha solidária dos anos 60″.

A estratégia conservadora, que combina Estado social com restrições identitárias, oferece proteção social prioritária para os cidadãos que consideram “autênticos”, responsabilizando imigrantes pelos problemas econômicos.

Isso tem funcionado. A extrema-direita já se tornou força dominante na França, Itália, Hungria e Áustria, e a segunda força na Alemanha e na Holanda. O Rassemblement National, partido de Le Pen, obteve 54% dos votos dos trabalhadores em 2024 e 31,5% nas eleições europeias, tornando-se o partido francês com maior representação no Parlamento Europeu. Enquanto isso, o Partido Socialista caiu de 280 para 30 deputados, e Marine Le Pen conquistou 41,45% no segundo turno presidencial de 2022.

Enquanto os partidos de centro-esquerda defendem, a contragosto, reformas fiscais necessárias, a extrema-direita promete recuperar um período de proteção social, desde que limitada a grupos definidos por origem.

Os partidos progressistas precisam encontrar formas de defender justiça social sem ceder à austeridade fiscal (lembram-se de Joaquim Levy no governo Dilma?), mas também sem se render ao nacionalismo excludente – representado à perfeição pelo boné com a frase “O Brasil é dos Brasileiros”, distribuído pelo então ministro da Secretaria de Relações Institucionais Alexandre Padilha (PT), em fevereiro.

Sérgio Praça é doutor em Ciência Política pela USP. Publicou, entre outros, os livros “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” e “Corrupção e Reforma Orçamentária no Brasil”