Conduzido por Jair Bolsonaro a uma cadeira no STF em 2021, André Mendonça mostrou nesta quarta-feira, 4, que se mantém fiel à ideologia do ex-presidente. Na retomada do julgamento que, na prática, deve resultar na regulamentação de redes sociais e plataformas de internet no Brasil, o ministro desfilou ideias alinhadas típicas do bolsonarismo.

Embora não tenha concluído o voto, Mendonça indicou que seguirá o rumo contra-majoritário. Até agora, três dos onze ministros votaram para que as big techs sejam responsáveis pela remoção de conteúdos criminosos, mentirosos ou ofensivos postados pelos usuários. Essa deve ser a visão da maioria. A tendência é que Mendonça fique no lado oposto.

O ministro avisou que vai concluir o voto nesta quinta-feira, 5. Os demais integrantes da corte devem se manifestar somente na próxima semana.

Ao ensaiar defender a autonomia das plataformas, Mendonça elencou argumentos típicos de apoiadores de Bolsonaro. O primeiro deles foi o da liberdade de expressão, ainda que o conteúdo difundido não seja verdadeiro.

“Por si só, mentir é errado, mas não é crime. Configura desvio ético ou moral, mas que, em regra, é desimportante para o Direito. O cristão pode condenar alguém simplesmente porque mentiu. O magistrado, não. Esse último precisa identificar em que a medida determinada mentira configura ato antijurídico e culpável, de acordo com os termos da lei, editada pela autoridade competente e em momento anterior à prática da conduta, a partir de uma análise imparcial e desinteressada”, afirmou Mendonça em plenário.

O ministro também pôs em xeque o conceito de verdade e de conteúdo ofensivo para defender a liberdade de expressão na internet.

“Ser tolerante é aceitar o direito de alguém afirmar o que pensamos firmemente ser falso ou errado ou inaceitável ou ofensivo. Isto é de tal modo difícil de assimilar que os pensadores pós-modernistas se sentem na necessidade de declarar que não há verdades, mas apenas construções sociais da realidade. E, por causa disso, todas as diferentes construções são igualmente aceitáveis”, disse, em citação ao filósofo português Desidério Murcho.

Mendonça também fez coro a Bolsonaro quando declarou que a credibilidade das instituições diminui quando os cidadãos são impedidos de criticá-las. E lembrou que essa proibição tem sido protagonizada pelo Judiciário – por sua vez, um dos principais alvos de críticas do ex-presidente.

“É preciso considerar que, num cenário no qual um dos principais fatores das crises atuais centra-se na desconfiança do cidadão em torno da credibilidade das instituições, não me parece que seja adotando medidas que, em última análise, irão impedi-lo de manifestar seu descontentamento com o estado de coisas vivenciado – inclusive por meio da defesa de outros regimes de governo, em substituição à forma democrática – sob a eventual justificativa de que seria preciso combater – pelo Direito e, portanto, através do Poder Judiciário – a mentira, que se irá superar a realidade de beligerância latente”, afirmou.

Em seguida, o ministro ponderou: “Isso não significa, por óbvio, que todo e qualquer tipo de discurso mentiroso deva ser tolerado, ou mesmo considerado isento de responsabilidade posterior. O que se pretende afirmar é que não é pelo simples fato de ser mentiroso que o discurso deve ser automaticamente censurado”.

Bolsonaro é réu nas investigações sobre a tentativa de golpe. Entre os atos ilícitos apontados pela PGR (Procuradoria-Geral da República), está o empenho do ex-presidente em disseminar conteúdo falso sobre o sistema eleitoral brasileiro. O processo é analisado pela Primeira Turma do STF, composta por cinco ministros. Mendonça não integra o colegiado.

O voto de Mendonça em sentido oposto ao da maioria sobre as redes sociais já era aguardado pelo plenário. Não houve apartes dos colegas para retrucar a fala do ministro. Nesta quarta ele não chegou nem à metade das 108 páginas do voto que preparou. A previsão é que o voto ainda ocupe a sessão inteira desta quinta-feira, 5.