A pesquisa Genial/Quaest, divulgada em 4 de junho de 2025, trouxe o dado de que 57% da população brasileira desaprova o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto apenas 40% ainda o aprovam. Trata-se do maior índice de desaprovação desde o início de seu terceiro mandato. Essa marca desmonta a imagem de estabilidade política que o Planalto tentava cultivar desde a recomposição pós-eleições de 2022. O dado é ainda mais simbólico por ter vindo após uma série de tentativas do governo de emplacar uma agenda econômica moderadamente reformista, ao mesmo tempo em que buscava consolidar alianças com o centro político e manter algum grau de mobilização social.

O número de 57% de desaprovação é o acúmulo de frustrações gradualmente construídas em distintos segmentos da população, com fatores distribuídos tanto no campo da administração pública quanto nas percepções subjetivas de liderança, credibilidade e capacidade de entrega do governo. Um primeiro elemento a se considerar é o caso do INSS. O escândalo envolvendo descontos ilegais em benefícios de aposentados, embora iniciado em gestões anteriores, atingiu diretamente a imagem do governo. Isso porque o episódio revela, para grande parte da população, uma inoperância estatal diante de práticas predatórias contra o cidadão comum.

Não é “mais um caso de corrupção”, e sim um sintoma da falência na entrega de serviços básicos. O governo não conseguiu se descolar do problema. Ao contrário, 31% dos entrevistados atribuem responsabilidade direta à administração atual. A resposta do governo foi tardia, defensiva e cercada por uma retórica que passou a sensação de omissão.

A esse fator soma-se a decisão (mal calculada) de aumentar o IOF sobre operações internacionais, como compra de dólares e remessas ao exterior. A medida foi interpretada como contrária à classe média, já pressionada por um contexto de juros elevados e inflação persistente em alguns setores. Ainda que o governo tenha recuado parcialmente após a repercussão negativa, o dano político já era dado. A impressão que ficou foi a de um governo errático, que age por impulsos tributários sem calcular a resposta popular. Segundo a pesquisa, 50% dos entrevistados consideraram a ação um erro. Esse tipo de percepção, qual seja, a de um governo que improvisa, mina a confiança mesmo entre os que antes votaram com expectativa de estabilidade.

A desaprovação também tem um componente geracional e de linguagem. A comunicação do governo falha em produzir ressonância com os códigos da nova esfera pública digital. A perda de cerca de um milhão de seguidores nas redes sociais do presidente, embora pareça um dado anedótico à primeira vista, sinaliza uma ruptura de engajamento. Em tempos de política algorítmica, esse afastamento virtual traduz uma erosão real do laço entre governo e sociedade. A narrativa governista, voltada para realizações de gabinete e articulações legislativas, se mostrou incapaz de mobilizar emocionalmente o eleitorado médio. Falta uma gramática que reconecte a experiência cotidiana da população com as decisões tomadas em Brasília.

Vale destacar que essa deterioração ocorre mesmo com a manutenção de algumas âncoras institucionais importantes. A articulação política com o Congresso não colapsou. O governo conseguiu vitórias pontuais em temas econômicos, como a aprovação do novo arcabouço fiscal e a contenção do déficit. No entanto, são conquistas percebidas como distantes do cotidiano da população. A política econômica atual, embora menos desorganizada do que a da gestão anterior, carece de clareza estratégica e de comunicação efetiva. O crescimento do PIB, as reduções marginais de desemprego e os anúncios de programas sociais não têm conseguido reverter a sensação de paralisia.

Por fim, a comparação com o governo Bolsonaro aparece como uma variável que precisa ser compreendida para além do simples antagonismo eleitoral. O lulismo (sobretudo neste terceiro mandato) deixou de representar um polo claro de contraposição. Em vez de oferecer uma agenda afirmativa, acabou por operar na defensiva, reiterando valores do passado sem traduzir essas referências em respostas efetivas no presente. O resultado é um vácuo de liderança perceptível. Para 44% da população, o governo atual é pior que o anterior. Essa leitura precisa ser levada a sério, pois ela inverte uma lógica que sustentava o campo progressista desde 2018, que é a de que qualquer alternativa a Bolsonaro seria, por definição, melhor. Essa hipótese foi rejeitada.

A desaprovação de 57% não é, portanto, um ponto fora da curva. É o retrato de um governo acuado por sua própria memória, paralisado entre a promessa de futuro e o peso de seu passado. Resta saber se Lula conseguirá, nos próximos meses, reconstruir não apenas sua base de apoio, mas sobretudo sua capacidade de articulação. Sem isso, o governo corre o risco de completar seu mandato como uma gestão tecnicamente funcional, porém politicamente esvaziada.

Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper