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Em dez pontos, o que o relatório da PF traz de novo sobre o plano de golpe

Documento detalha como o ex-presidente Jair Bolsonaro participou da articulação para justificar a tentativa de golpe desde o primeiro ano de seu governo

O General Augusto Heleno, ex-presidente Jair Bolsonaro, Braga Netto e Mauro Cid.
Ilustração: Daniel Medeiros/PlatôBR

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes pôs fim nesta terça-feira, 26, ao sigilo do relatório em que a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas, entre elas altos oficiais das Forças Armadas, por tramar um golpe de Estado.

Além de informações já conhecidas – como o plano para executar o próprio Moraes, o então presidente eleito Lula e seu vice Geraldo Alckmin –, o documento trouxe em suas 884 páginas novas informações sobre as articulações.

Como o PlatôBR antecipou, Bolsonaro aparece como um personagem presente nas várias frentes da trama. O documento sustenta que ele "planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva" do plano de golpe.

Além de detalhar a participação do ex-presidente no plano – coordenado pelo general Walter Braga Netto, seu vice na campanha de 2022 –, a investigação mostra a tentativa de manipulação da opinião pública para justificar o golpe desde 2019, o primeiro ano do mandato. Também mostram a existência de um plano de fuga para Bolsonaro desde 2021.

O plano, para os investigadores, só não chegou à etapa de colocar tanques de combate na rua devido à resistência de militares liderados pelos comandantes do Exército e da Aeronáutica, que acabaram, também eles, sendo alvo de ataques virtuais vindos das hostes bolsonaristas.

O relatório liga os acusados de tramar o golpe a atos de violência, como as invasões de 8 janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, com o objetivo de causar confusões que justificassem uma intervenção militar.

A seguir, dez pontos relevantes do relatório:

Plano de fuga para proteger Bolsonaro
Documentos no notebook do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do gabinete presidencial, mostram que havia sido criado um plano de fuga para Jair Bolsonaro ainda em 22 de março de 2021. O objetivo era tirar o então presidente do país caso houvesse alguma ameaça a sua liberdade, por descumprimento de alguma decisão do STF, por exemplo. Para a PF, o plano criado em 2021 foi colocado em prática no ano seguinte, após as eleições, quando Bolsonaro deixou o país com destino aos Estados Unidos. Além de evitar qualquer possibilidade de prisão, diz a PF, a viagem deixou Bolsonaro à vontade para esperar o desfecho da trama até o dia 8 de janeiro.

Participação direta do ex-presidente
O ex-presidente Jair Bolsonaro, segundo a PF, criou e disseminou desde 2019 a tese de vulnerabilidade e fraudes no sistema eleitoral. O relatório cita as reuniões com a cúpula do Executivo em 5 de julho de 2022 e com embaixadores duas semanas depois. Destaca ainda que outros integrantes do governo seguiam o mesmo discurso, conforme o então presidente havia exigido na reunião, e detalha a participação dele na pressão aos comandantes militares para apoiar o golpe.

Ações golpistas começaram logo após a posse
A PF aponta que diversos núcleos de preparação do golpe começaram a atuar logo após a posse de Jair Bolsonaro como presidente da República. O objetivo era desacreditar as instituições, a partir da propagação de ataques contra os ministros do STF e o TSE e de teses segundo as quais o ex-presidente havia vencido apesar de fraudes -- e que poderia ser vítima de novas fraudes na disputa seguinte. Os investigadores recuperaram ameaças a ministros do STF e ataques às urnas eletrônicas feitos pelo então presidente em 7 de setembro de 2021 em Brasília, pela manhã, e repetidos em São Paulo à tarde. Naquele dia, caminhões invadiram a Esplanada dos Ministérios para participar das manifestações.

Prisão de dois ministros do STF e do presidente do Senado
Em sua delação, Mauro Cid afirmou que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta do golpe do então assessor especial da presidência Filipe Martins e do advogado Amauri Saad. O argumento para a interrupção do processo democrático seria a fraude nas eleições. Eles defendiam a prisão dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Bolsonaro fez ajustes e manteve a prisão apenas de Moraes. Depois disso, o então presidente chamou os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta. O general Freire Gomes confirmou à Polícia Federal que o então presidente apresentou aos comandantes das Forças Armadas a decretação do estado de defesa e a criação da comissão de regularidade eleitoral. O documento é o mesmo que foi apreendido na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

Relação com os acampamentos
A PF identificou uma série de fotos que mostram a presença do general Mário Fernandes, preso na semana passada, nos acampamentos em frente aos quartéis em novembro e dezembro do ano passado. Também revelam a proximidade dele com influenciadores ligados às manifestações. Em mensagem a Cid, o general afirma que estava orientando militantes bolsonaristas acampados e pede ajuda ao presidente para manter os acampamentos. Solicita ainda que a PF não cumprisse ordens de apreensão de caminhões, que estavam em área militar. Cid responde que falaria com o então presidente. Os militares tinham participação, inclusive, na elaboração de material gráfico para os manifestantes.

Suplente de senadora era ponte com financiadores
Primeiro suplente da senadora Tereza Cristina (PP-MS), Aparecido Andrade Portela, conhecido como Tenente Portela, é apontado como intermediário entre o governo Bolsonaro e financiadores das manifestações antidemocráticas. Portela era frequentador assíduo do Palácio da Alvorada na época. Segundo a PF, ele usava os termos "carne" e "churrasco" para se referir ao financiamento e ao golpe. “O pessoal que colaborou com a carne, estão me cobrando se vai ser feito o churrasco”, disse ele a Mauro Cid a certa altura. “Vai sim. Ponto de honra. Nada está acabado ainda da nossa parte”, respondeu o então ajudante de ordens. Portela é amigo de Bolsonaro desde os anos 1970 e foi indicado por ele para ser suplente na chapa da senadora, que foi sua ministra da Agricultura.

Busca por apoio na caserna
Na visão dos investigadores, fatores contrários à vontade de Bolsonaro foram decisivos para evitar o sucesso do golpe. O principal deles foi a resistência dos comandantes Freire Gomes, do Exército, e Baptista Júnior, da Aeronáutica. Apenas o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio, teriam se manifestado favoravelmente. Diante da resistência dos dois comandantes e por achar fundamental a participação do Exército, o então presidente se reuniu com o general Estevam Theóphilo, do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), que teria se prontificado de tocar o plano caso Bolsonaro assinasse o decreto. Declarações feitas pelo ex-presidente a apoiadores após a sua derrota nas urnas confirmam, para a PF, que ele esperava apoio dos militares para que o golpe fosse posto em prática.

Orientação para responsabilizar Flávio Dino pelo 8/1
Na casa de Mário Fernandes, a PF encontrou uma série de documentos que mostravam como ele orientava os parlamentares de oposição ao governo Lula sobre estratégias para a CPMI dos atos de 8 de janeiro. A estratégia era tentar responsabilizar o então ministro da Justiça, Flávio Dino, hoje ministro do STF, pelas invasões ocorridas naquele dia. A tentativa de desgastar o STF, em especial Alexandre de Moraes, também fazia parte do plano. Fernandes acreditava que era possível criar a narrativa de que a Polícia Federal cometeu abuso ao cumprir “ordens ilegais” pela prisão de golpistas. Ele chega a listar possíveis perguntas.

Mauro Cid entregou informações de sua delação
Na sede do PL, a PF encontrou um documento na mesa de um coronel, assessor de Braga Netto, dados sobre a delação de Mauro Cid. Para os investigadores, o texto indica que o tenente-coronel respondeu a uma série de perguntas sobre o que havia dito para a PF em sua delação. Muitas das respostas foram dadas em primeira pessoa. Cid chega a afirmar que os investigadores sabiam “de coisas que não estavam em lugar nenhum”. Em uma delas, o antigo ajudante de ordens responde que a investigação sobre a participação das forças especiais do Exército na liderança dos movimentos de dezembro de 2022 e janeiro de 2023.

Clima pró-golpe segue até hoje
Para a PF, as ações violentas contra as sedes dos três poderes em 8 de janeiro tinham o objetivo de cooptar a adesão das Forças Armadas ao golpe de Estado. Os investigadores colocam como exemplo os atos dos dias 12 e 24 de dezembro de 2022 (quando, respectivamente, houve uma tentativa de invasão da sede da PF em Brasília e um homem foi preso com uma bomba num caminhão de combustível perto do aeroporto da capital) e, principalmente, de 8 de janeiro de 2023 (dia das invasões ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao STF). Dizem ainda que o radicalismo ainda está latente em uma parcela da sociedade, mencionando o atentado do último dia 13, quando o catarinense Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tiü França, cometeu um atentado a bomba na entrada do STF.

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