Uma das coisas mais interessantes das futuras disputas eleitorais no Brasil será como os partidos de centro lidam com demandas conservadoras de cidadãos e empresários. O drama tem CEP. Em São Paulo, a gestão de Ricardo Nunes (MDB) quer substituir um projeto cultural que, embora funcione sem autorização definitiva da prefeitura, é muito bem-sucedido, por um ainda muito vago programa de habitação popular.

Há nove dias, o Teatro Contêiner Mungunzá teve notificação de despejo assinada pelo coronel Marcello Vieira Salles, subprefeito da Sé (sete das trinta e uma subprefeituras de São Paulo são comandadas por militares ou ex-policiais). O espaço mantém parcerias ativas com secretarias municipais de Cultura, Saúde e Direitos Humanos. Tirar os artistas de lá é um erro político em um lugar delicado.

Essa decisão impacta diretamente o delicado equilíbrio que o subprefeito da Sé precisa manter: garantir a ordem pública na região da Cracolândia; atender, junto ao prefeito, às demandas dos empresários do setor imobiliário – grupo que contribuiu com R$ 540 mil em doações de pessoas físicas para a campanha de Nunes em 2024; e preservar uma imagem cultural sofisticada no centro da cidade, para agradar o eleitor mediano (e o paulistano chato).

Nem tudo precisa ser Bar dos Arcos e Teatro Municipal, é claro. Mas a ordem pública é importante e não cabe somente aos coronéis. Os artistas do Teatro de Contêiner Mungunzá colaboram, há tempos, para manter a segurança urbana na dificílima região – algo comprovado pelas várias parcerias que o espaço já teve e ainda tem com órgãos municipais.

O prefeito deve resolver essa situação rapidamente e de forma favorável ao Teatro Contêiner devido ao imenso desgaste que o conflito já está causando. Mais de 40 teatros e 60 coletivos culturais paulistanos mobilizaram-se contra o despejo. A organização Artigo 19 levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, internacionalizando um conflito que pode ser resolvido localmente, com diálogo.

Há dois fatores que podem levar Ricardo Nunes para a decisão errada. A primeira é insistir em uma “guerra cultural” tipo bolsonarista, que não trará voto algum e só mostrará intransigência e incapacidade de diálogo. A segunda, talvez mais influente, é a pressão de empresários do mercado imobiliário, incluindo grupos envolvidos em parcerias público-privadas no centro, que têm interesse legítimo na liberação de terrenos municipais para novos empreendimentos. Bons líderes, lembremos, conseguem lidar com pressões e pacificar os ânimos.

O custo político de manter o conflito ativo supera o de uma solução negociada, mesmo que não atenda plenamente aos interesses da base conservadora de Nunes. Isso mostraria que o emedebista tem capacidade de resolver problemas de maneira pacífica com opositores ideológicos, beneficiando sua imagem pública e permitindo a continuidade de um excelente projeto cultural.

Sérgio Praça é doutor em Ciência Política pela USP. Publicou, entre outros, os livros “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” e “Corrupção e Reforma Orçamentária no Brasil”