“O Brasil adora o Nordeste, mas detesta o nordestino.” A frase que abre o livro também sintetiza sua tese: o país consome a estética — a música, o sotaque, as festas — mas rejeita quem a produz. “A cultura é bem-vinda. O sujeito, não”, afirmou Octávio à repórter Isadora Ferreira.

Ao longo da obra, ele reconstruiu o preconceito regional como parte de um projeto de exclusão. “O apagamento foi intencional. É uma forma de qualificar-se desqualificando o outro”, explicou. Segundo o autor, o discurso político e midiático durante décadas reforçou a ideia de dois Brasis — um que avança, outro que atrasa. “Quando o poder saiu do Nordeste e migrou para o Sudeste, surgiu um esforço para impedir seu retorno.”

O livro também desmonta o mito de que o preconceito regional é menos grave que o racial. Santiago analisou documentos dos séculos XIX e XX que classificavam os nordestinos como “raça inferior”. A miscigenação era tratada como “excesso”, numa lógica eugenista que associava cor, origem e classe. “Quando você hierarquiza e inferioriza, está falando de racismo”, pontuou.

Apesar da densidade do tema, o autor optou por uma escrita direta e sensível. “Quis que o leitor se chocasse com o que aconteceu, não com o texto”, disse.

Desde o lançamento, recebeu inúmeros relatos de leitores com histórias semelhantes — e atuais. Um deles veio da influenciadora Ademara, que ouviu de um chefe: “Vou mandar você de volta pro Nordeste no pau de arara.” Nada do que está no livro ficou no passado.

Mesmo assim, Octávio enxerga brechas de mudança. Citou artistas como Bia Ferreira, Johnny Hooker e Kleber Mendonça Filho como vozes que tensionam a narrativa dominante. “A televisão entendeu que não pode mais escalar só atores brancos. Mas com o Nordeste, não houve recálculo”, avaliou. Sotaques seguem sendo atenuados ou exagerados. E os papéis, quase sempre os mesmos.

Publicado pela Editora Autêntica em 2025, “Só sei que foi assim” é denúncia e resposta. Um esforço de devolver ao povo nordestino o direito de existir para além do estigma. “Se alguém entender onde foi colocada, por quem, e decidir virar a página, o livro já valeu”, concluiu.

O lançamento acontece em Natal, na Livraria Leitura, na terça-feira, 10 de junho, e em São Paulo, na Livraria Sentimento do Mundo, no sábado, 14.

Durante seu estudo e nas suas vivências, como você observou o papel que a questão racial desempenha nesse apagamento do sujeito nordestino?

Comecei a entender tudo como parte de um projeto. E nesse processo de descamar cada camada, encontrei declarações que flertavam com o racismo. Classificavam o nordestino como uma “raça inferior”, responsável pelo atraso nacional. Diziam que a miscigenação em excesso explicava esse suposto fracasso. E quando você racializa, hierarquiza. Isso é racismo.

Esse racismo não era acidental. Ele ajudava a sustentar um projeto nacional que queria branquear a população. E o nordestino — majoritariamente preto, pobre e migrante — contrariava esse projeto. Está tudo encaixado.

Como se manifesta essa ambivalência entre o amor à cultura e o desprezo pelo povo nordestino?

O Brasil consome o forró, o São João, a comida típica… mas com distância. Se apropria dos símbolos, rejeita os sujeitos. Sotaque não é visto como sinal de sofisticação. Então, consome-se a música, mas não o músico. Valoriza-se o símbolo, mas não quem o carrega.

O Brasil consome artistas nordestinos, mas parece resistir à presença dos próprios artistas. Como você observa essa contradição?

É isso. A arte é bem-vinda, mas quem a produz, não. E isso vale para o palco, a universidade, o mercado de trabalho. O sujeito não pode ocupar esses espaços.

Dizem que gostam da nossa música, mas não da nossa presença. Gostam da nossa estética, mas silenciam nossa história. É uma apropriação sem inclusão.

Como você enxerga esse apagamento do protagonismo intelectual nordestino no cenário nacional?

É um projeto antigo. Quando a elite nordestina perdeu espaço político para o Sudeste, surgiu o medo de que o Nordeste prosperasse de novo. A solução foi apagar esse protagonismo, como se o saber só pudesse vir do centro-sul.

Hoje temos universidades de excelência, centros de pesquisa de ponta, alunos premiados. Mas ainda nos tratam como se nos faltasse tudo — até a linguagem. E isso segue sendo reforçado pela TV.

Como promover uma troca cultural verdadeira e combater a representação estereotipada do Nordeste?

A gente está cansado de ser colocado nesse lugar menor. Mas já existe reação — na arte, nas redes, no cinema. Bacurau fala exatamente sobre isso: brasileiros que se acham brancos perseguindo os que consideram “não brancos”.

Esses artistas estão dizendo: não aceitamos mais. Claro, muitos nordestinos ainda repetem os estigmas, porque foram ensinados assim. Mas o movimento está em curso. E se o livro ajudar alguém a entender onde foi colocada e por quê, já valeu a pena.