Interrogatórios confirmam fatos da acusação sobre golpe de estado
A ação penal 2668, que imputa a Jair Bolsonaro, ministros e generais a prática de crimes de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito, associação criminosa e dano, segue seu curso na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Passada a fase do recebimento de denúncia, defesa preliminar, oitiva de testemunhas, foi a vez de ouvir os réus em interrogatório. O interrogatório, diga-se, é sobretudo um ato de defesa, um momento em que os réus têm a oportunidade de oferecer a sua versão sobre os fatos, apontar suas razões, motivações e argumentos.
Por isso, por ser um ato de defesa, o interrogatório concede a qualquer réu a oportunidade de não responder a perguntas realizadas pelos juízes, membros do Ministério Público e de advogados, até mesmo dos seus se considerar que as respostas podem ser incriminadoras ou dificultar a tese de sua defesa.
Tal prerrogativa de silêncio conferida aos interrogados decorre do direito à ampla defesa, previsto constitucionalmente, e a sua utilização não implica qualquer reconhecimento de culpa, por força do princípio da presunção de inocência. Pela Constituição, só é culpado aquele condenado, e após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Na ação penal 2668, os réus optaram por responder questões, e parte deles optou por responder apenas aquelas formuladas por suas defesas. Em geral, os depoimentos não foram capazes de afastar as teses apresentadas na denúncia; pelo contrário, alguns fatos foram corroborados, como as reuniões, seus participantes e os temas tratados. Essas confirmações fortalecem a denúncia e o acervo probatório usado pela acusação e, de certa forma, corroboraram partes da colaboração premiada feita por Mauro Cid. Por esta perspectiva, a avaliação é de que os interrogatórios foram ruins aos réus.
Se os fatos não foram refutados, a disputa passou a ser centrada na sua interpretação, sobretudo para Jair Bolsonaro. Não se discute mais que ocorreram reuniões entre o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministros e chefes das Forças Armadas para tratar de uma minuta que pretendia propor “alternativas” à derrota nas urnas. Isso foi assumido nos depoimentos.
O que Bolsonaro disputou em seu interrogatório foi a legalidade de avaliar estado de defesa, de sítio e GLO (garantia de lei de ordem), valendo-se do mantra de estar agindo “dentro das quatro linhas da Constituição”, usando a seu favor o fato de a Constituição prever tais medidas e de conferir ao Presidente da República a competência para sua decretação. O fato de a Constituição sequer cogitar essas medidas para o propósito almejado, de contestar eleições, foi ignorado.
Essa linha de defesa não parece sensibilizar quem conhece o texto constitucional, muito menos o tribunal que o interpreta cotidianamente. Mas pode saciar uma plateia cativa a quem Bolsonaro parece ter se dirigido.
Ainda que tenha tratado parte de seus apoiadores como “malucos” e “pobres coitados”, o seu interrogatório se voltou, em parte, para fora do tribunal: defendeu seu governo e fez campanha para “conservadores” em 2026.
O resultado da estratégia defesa-palanque assumido no interrogatório logo será conhecido. Após os interrogatórios, podem ser requeridas e realizadas eventuais diligências e, na sequência, estipulado prazo para as alegações finais. Com isso, a ação penal estará pronta para julgamento, provavelmente ainda esse ano.
Eloísa Machado é coordenadora do projeto Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
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