O que era para ser uma viagem de férias, depois de dois anos tentando visitar a família e amigos em Israel, se transformou em raras horas de sono interrompidas por sirenes e mensagens ordenando procurar abrigos e muito vaivém pela madrugada em busca de refúgios diante dos bombardeios. Curadora de conteúdo digital, a paulista Simone Rosenthal desembarcou em Tel Aviv pouco mais de 24 horas antes dos ataques do Irã começarem e também atingirem Haifa, a terceira maior cidade do país.

“Estou na casa de uns amigos israelenses e eles falaram: vamos, vamos, vamos, vamos. Corre para o shelter (abrigo). E, aí, você é pega no susto, chega, entra e tem um monte de gente sentada, reunida e fica esperando sem entender muito que está acontecendo”, conta. “Quando toca o alarme, temos um minuto e meio para entrar no abrigo”, explica.

Por isso, é preciso dormir vestida e, sempre, deixa ao lado da cama uma bolsinha com o passaporte, remédios e “o que é importante”. Tudo, afirma a brasileira, com muita serenidade. “Não tem histeria, não tem uma crise de pânico geral”. Por vídeo, ela conversou com PlatôBR e contou os detalhes da rotina em Israel nos últimos dias. Assim que a conversa foi encerrada, Simone enviou uma mensagem para dizer que o grupo recebeu novo alerta para procurar o abrigo.

Como foi a chegada, você já estava aí quando começou o conflito?
Na verdade, estava tentando chegar em Israel há dois anos. E, este ano, parecia que estava tranquilo. Aí, comprei de última hora a passagem para visitar a família e alguns amigos. Eu cheguei na quarta-feira à noite e, de quinta para sexta, já começaram os bombardeios. Pegou todo mundo de surpresa. Ninguém estava esperando. Fui acordada no meio da madrugada por uns amigos. Estou na casa de uns amigos israelenses e eles falaram: vamos, vamos, vamos, vamos. Corre para o shelter. E, aí, você é pega no susto, chega, entra (no abrigo) e tem um monte de gente sentada, reunida, e fica esperando sem entender muito que está acontecendo.

Como definir para qual abrigo ir nessa hora? Há abrigos espalhados em toda a cidade, há um mapa? É na casa em que você está?
Os israelenses já estão acostumados com isso, então eles já sabem quais são os abrigos mais próximos. Os abrigos são normalmente públicos. Como está aumentando o número de pessoas, então eles estão colocando em escolas, em estacionamentos de shopping. Mas, hoje, existe uma lei, todos os novos apartamentos precisam ter um shelter dentro de cada apartamento.

De onde você está, demora mais ou menos quanto tempo para chegar no abrigo mais próximo?
Correndo, uns 30 segundos. Caminhando rápido, é tudo menos de um minuto. 

E você tem ido bastante para o abrigo?
Bom, desde quinta para sexta-feira de madrugada, a gente tem ido de 3 a 4 vezes por noite. As pessoas ficam cansadas porque, até hoje, desde que cheguei, eu não dormi mais do que 4h por noite.

Porque toca a sirene, você tem que correr?
Toca a sirene e você tem que estar a um minuto e meio, dois minutos do abrigo.

E tem um tempo para se vestir?
Você tem que ser muito rápida. Então, ou você já dorme meio que pronta, ou vai de pijama, ou se troca muito rápido. Pega a roupa mais fácil que você tiver, vai colocando e saindo correndo. No meu caso, que não sou israelense, eles falam para deixar uma bolsinha pronta com o que é importante. Então o passaporte, o celular e alguns remédios, se eu precisar, alguma coisa que seja realmente necessário.

Qual a última vez que você foi para o abrigo?
Agora à tarde. Ontem, foi a primeira vez que a gente foi à tarde, e hoje também. O governo já vai avisando: essa noite vai ser mais difícil, fiquem preparados, manda alertas (exemplos nas imagens abaixo) avisando e pela televisão também. Avisam: essa noite vai ser um pouco mais difícil, se prepara. Todo mundo recebe o alarme e, na cidade, toca o alarme também. Na hora que toca na cidade, você tem um minuto para entrar no shelter.

Recebendo o alerta e estando no abrigo, quantas pessoas são, o que vocês fazem lá e por quanto tempo? Como é para poder voltar para casa?
As pessoas vão chegando. Nos (abrigos) que eu estou cabem 40, 50 pessoas tranquilamente. Todo mundo chega, tem jogos, café, uns ficam conversando, vendo notícias, fica todo mundo sentado. O que eu percebo aqui é que eles devem estar muito acostumados e tratam isso com serenidade. Não tem histeria, não tem uma crise de pânico geral. Eles já sabem que toca, vão direto para o shelter, cada um faz o que está com vontade e vem gente de tudo que é idade, crianças, adultos, idosos, cachorros também.

E qual o tempo máximo que você ficou em um abrigo?
Eu fiquei 1h15. Quando os mísseis são interceptados ou caem, eles mandam uma mensagem “vocês estão liberados”. E todo mundo sai com calma. Cada um vai embora sem pânico. Eu sinto que as pessoas estão muito cansadas porque, realmente, ninguém tem uma noite de sono tranquila. Todo mundo fica triste com toda essa situação, mas é um povo resiliente. Eles pensam o que eles vão fazer depois e um ajuda muito outro. Eles são muito preocupados com o próximo.

E qual é a sensação de estar aí nesse momento?
É uma grande experiência. A primeira vez na vida, para mim. Agora, eu sinto como se fosse na época da Covid. As cidades estão vazias, as escolas estão fechadas, as universidades, as lojas estão proibidas de abrir. O que abre: supermercado, farmácia e só estabelecimentos comerciais para as pessoas poderem comprar suprimentos. Então, você anda às vezes por perto, para dar uma respirada, e está tudo vazio, o trânsito está vazio. Só que com mais tensão. As pessoas estão mais apreensivas. Mas é a mesma coisa que na época da Covid, cada um vivendo a sua vidinha.

Seus parentes estão trabalhando?
Quem precisa trabalhar, e dá para trabalhar em home office, faz isso. Minha amiga trabalha como assistente social e psicóloga. Ela tem que ir para o hospital, então, eles estão fazendo turnos diferentes. Ela foi trabalhar um dia à tarde, agora, ela vai trabalhar à noite. No hospital, ela atendeu muitas crianças com crise de ansiedade. Quem ela mais atende são pessoas com crise de ansiedade. Ela tem que ir. Mas ninguém é obrigado a ir trabalhar. Aliás, eles pedem para não ir trabalhar, não querem colocar ninguém em risco à toa.

E como tem sido o seu dia a dia quando não está no abrigo. O que é possível fazer?
Aqui, a rotina é não ter rotina. Minha rotina normalmente é acordar cedo, caminhar, fazer algum esporte, depois passear. Como a gente não dorme, é muito picado, quando dá, durmo pouco mais de manhã. A gente tenta planejar: será que dá para tomar o café em algum lugar? Não dá, porque pode ser que tenha um ataque e um alarme e as pessoas estão com um pouco de medo de ficar transitando.

Você tem registrado esses momentos?
Alguns momentos, eu registro. Eu estava um dia indo para o shelter, as pessoas entrando e eu estava com meu amigo conversando na porta. De repente a gente começou a ver umas imagens dos mísseis sendo interceptados. Eu consegui fazer umas imagens, mas a gente logo entrou. Meus amigos até falaram que esses mísseis estavam indo para Haifa. Não sei como eles sabem, mas realmente acertou Haifa.

Mas você está em Tel Aviv, correto?
Eu estou próxima de Tel Aviv, a 20 minutos. Fiz algumas imagens do shelter, até para mandar para a família no Brasil e mostrar que está tudo bem. Alguns amigos estão querendo que eu volte, mas não é tão simples voltar. Quando dá, a gente sai para caminhar, tem um café aberto, aí, a gente toma um café e volta. Até acabei trabalhando para passar tempo.

Você falou que a cidade está mais ou menos como na época da pandemia da Covid aqui no Brasil, tudo bem deserto. Isso em todos os bairros ou há algum mais movimentado?
Para Tel Aviv, que é perto, a gente fica inseguro de ir porque não sabe se tem alguma coisa aberta. Lá tem vários shelters públicos. Se acontecer alguma coisa, a gente corre para algum deles, mas não sabe se vale a pena. Queria caminhar um dia na praia, mas a gente fica inseguro porque se vier algum míssel, não tem para onde correr. Hoje, por exemplo, fui a uma cidade árabe, próxima de onde estou. E, lá, também tudo fechado, a não ser farmácia, supermercado. A gente foi comprar falafel. Fomos bem recebidos, conversamos, mas são as mesmas regras. Dentro de Israel, são as mesmas regras para todos.

E quando que você vai voltar para o Brasil?
Não tem previsão porque o aeroporto daqui ainda não está aberto e, com as outras alternativas, eu não me sinto segura. Pelo menos na casa desses meus amigos israelenses, eu sei que tem um shelter, que eles sabem como lidar com essa situação, o que já me deixa tranquila. Acordo de madrugada, estou com eles, a gente sai correndo. Espero que (aeroporto) seja logo reaberto, que as coisas comecem mais ou menos a voltar à normalidade. É uma situação muito difícil de se manter.

Os teus planos iniciais eram ficar quantos dias?
15 dias. Ainda faltam mais dez.