O deputado Gervásio Agripino Maia (PSB-PB) é uma pessoa de confiança do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ao ponto de ter sido chamado para ser o relator da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) 2026, substituindo o nome indicado pelo governo para a função, o do deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Apesar de ser de uma legenda historicamente aliada do PT, e partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, Maia não tem o mesmo alinhamento de Zarattini. Sua postura é mais crítica, por exemplo, às investidas do governo de controlar as emendas e voltar a dominar o orçamento que nos últimos anos ficaram, cada vez mais, submetidas aos congressistas.
Em entrevista ao PlatôBR, Maia disse que seu tempo é bastante curto para apresentar um relatório, que fará o possível, mas evitou dar garantias de que conseguirá entregar o texto a tempo de ser votado entre os dias 17 a 23 de julho, como exige a Constituição Federal para que o Congresso entre em recesso parlamentar.
O relator afirmou também que a descentralização do orçamento, colocando recursos nas mãos dos deputados e senadores, serviu para o desenvolvimento de muitas cidades no Nordeste, sua região. Por isso, ele não apoia a tentativa do governo de novamente centralizar a gestão orçamentária. Em vez de apoio ao Planalto, Maia quer “diálogo” e “equilíbrio” nas decisões sobre as emendas.
“Você pergunta isso a alguém que vive no Nordeste? A minha resposta, pode ter certeza, é que nós estamos tendo a oportunidade de acessar o bolo, a fatia de arrecadação do país a partir do período das emendas no Congresso. O que hoje a gente está tendo no Norte e Nordeste são coisas que já existem nos estados ricos há 20 ou 30 anos”, argumentou”, argumentou.
Confira os principais pontos da entrevista:
Como o senhor pensa em tratar o relatório da LDO, considerando que as expectativas de receitas por parte do governo ainda não estão definidas, como é o caso do IOF, por exemplo, além de outras previsões?
Eu tive uma reunião com técnicos da equipe de planejamento e técnicos do Congresso e eles fizeram um estudo das mensagens enviadas pelo Executivo para o Congresso. Eles fizeram uma tabela comparativa da LDO de 2025 com o contexto previsto para 2026. Eu recebi esse estudo e vou analisá-lo. A gente estabeleceu também a possibilidade de se ter um calendário. A ministra Esther Dweck (Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) vem no dia 1º (de julho) para participar de uma audiência pública. Mas uma coisa que já sabemos é o que o prazo para a apresentação do relatório ficou apertado. A gente vai tentar correr contra o tempo e sem se distrair para entregar no prazo.
Quanto às receitas, que parâmetros o senhor pretende usar?
Veja, a LDO trata das diretrizes. Os números vão para o orçamento.
Mas já há uma ideia de pontos significativos que precisarão constar na LDO deste ano?
Um exemplo que a gente tratou foi a questão das empresas públicas. Tem empresa pública que tem valor significativo de recursos na conta e que deixa de fazer parcerias importantes e negócios que teriam resultados, por conta do limite de gastos. Chegou no teto de gastos, contingenciou, a empresa também para. Então, essa é uma pauta que foi colocada lá no Ministério de Gestão, para ver se o texto permite que essas empresas possam desenvolver o seu trabalho. Eles ficaram de apresentar para a gente os números e negócios que deixaram de ser feitos por conta da trava do arcabouço. A gente não pode deixar as empresas com dinheiro em caixa, impedidas de fazer novos negócios, de fazer novos investimentos, de captação de clientes por conta do arcabouço, não faz sentido. Principalmente quando se tem dinheiro em caixa.
O senhor considera que o arcabouço fiscal defendido pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), está travando o desenvolvimento?
Não, estou falando da questão da empresa.
Mas e em relação aos gastos sociais?
Os investimentos existem, os programas existem. Não dá para falar isso agora, vamos com calma. Ainda precisamos ter acesso a todo o material muito bem elaborado que chegou do governo e eu vou me dedicar muito a isso. O corpo técnico aqui da Câmara é muito qualificado
O senhor acha que será possível entregar o relatório a tempo de ser votado antes do recesso parlamentar?
Não tenho como te falar, vamos ver. Não dá para ter certeza disso. Os prazos que devem ser cumpridos começam a partir da audiência pública. O próprio corpo técnico da Casa entende que é um prazo muito apertado. Mas, enfim, vamos ver. Eu não quero adiantar nada. Qualquer coisa que eu fale e vai ser na base do achismo e eu acho que não é bom.
O senhor assumiu a relatoria a pedido do presidente da Câmara, Hugo Motta, substituindo um nome indicado pelo governo que era o do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Zarattini tem total afinidade com o plano do Planalto de ter mais controle sobre o orçamento. Como o senhor pretende tratar essa questão?
O equilíbrio é tudo que o Brasil precisa nesse momento. Eu penso que a base de tudo é o diálogo. Dialogar com os poderes, dialogar com os líderes partidários, com o presidente Alcolumbre (Davi Alcolumbre, presidente do Senado) para que a gente possa ter a construção do melhor relatório possível. Um relatório que tenha efetivamente a participação de todos e todos. Tem que ser por aí. Eu vou trabalhar muito dedicado nisso. O Brasil precisa disso.
O senhor acha que ao longo desses últimos anos o Congresso se apoderou muito do orçamento e que hoje é necessário que o Executivo tenha um controle um pouco maior?
Você pergunta isso a alguém que vive no Nordeste? A minha resposta é voltada para dizer que nós estamos tendo a oportunidade de acessar o bolo, a fatia de arrecadação do país a partir do período das emendas no Congresso. O que a gente está tendo hoje no Norte e no Nordeste são coisas que já existem nos estados ricos há 20 e 30 anos.
Então o senhor é favor de que o protagonismo tem que ser mesmo do Congresso na gestão das emendas?
É que ocorreu, ao longo dos anos, uma injustiça tamanha com duas regiões tão prósperas como o Norte e o Nordeste. Eu não sei te dizer o porquê, mas aconteceu. Hoje, na Paraíba, por exemplo, a gente tem UTI em hospitais regionais, em centros de imagem nos hospitais regionais, além de desenvolvimento para regiões de 150 mil e 200 mil habitantes. Imagine você viver numa região com 200 mil habitantes e não ter um tomógrafo, não ter uma sala de cirurgia para fazer cirurgia ortopédica. A gente só tá tendo direito a isso agora.
O senhor considera que isso só foi possível depois que o Congresso assumiu o protagonismo na distribuição das emendas?
Essa é a realidade das nossas regiões e olha que nossas regiões têm apresentado números bem interessantes em relação ao desenvolvimento. Os estados estão tendo mais acesso aos recursos federais. E isso está ajudando os governos que têm compromisso com o povo.
Mas e quanto à questão da corrupção? A descentralização não facilita desvios?
Não pode generalizar. Se você generalizar, você está se desfazendo de um modelo que traz capilaridade no país inteiro. São mais de 5.000 municípios. Na hora que os recursos são indicados pelos parlamentares, que são votados, chegam mais recursos nessas regiões e nesses municípios, com maior justiça. Isso é uma realidade. Aí você diz: “Mas que políticas são essas? O que é que está chegando?” Chega uma barragem subterrânea, que não existia antes e que, no semiárido, mata a sede em toda uma comunidade rural. Chegam açudes, passagens molhadas, poços tubulares, investimentos em centros de piscicultura, de apicultura, de indústrias que trabalham com polpa de fruta. São tantas coisas que estão acontecendo ao mesmo tempo e só indo lá para conseguir entender. Isso tem sido positivo. Os estados passaram esse tempo todo no esquecimento.
Como o senhor tem visto o comportamento do presidente da Câmara, cobrando emendas para se votar matérias de interesses do governo, inclusive a questão o IOF?
Falando sobre a questão das emendas, é necessário o governo honrar os compromissos e o mais rápido possível.
Qual o seu posicionamento em relação ao aumento do IOF?
Você viu o debate difícil em torno do tema da IOF. Quando você fala no nosso modelo tributário, você mexe num vespeiro e em amarras que o país carrega há muito tempo. O nosso modelo tributário, inclusive depois da reforma tributária, a gente sabe, não mexeu em setores mais delicados e hoje representa uma injustiça tremenda. Por que tudo no Brasil é muito caro? Por que consumir no Brasil é caro? É porque alguém tem que pagar a conta e tem muitos que não estão pagando nada, não contribuem, porque o modelo tributário é injusto.
Como o senhor vê o argumento apresentado pelo governo que de o aumento do IOF só atinge as camadas mais ricas e, por isso, sofre resistência no Congresso?
A classe média, por exemplo, é a mais penalizada. A classe média vive sacrificada. E se você descer ainda mais na escala social verá que a situação é pior. A questão da justiça tributária não é para ser tratada na LDO, mas temos outros mecanismos legislativos que precisam ser acionados. Ou a gente debate um modelo justo tributário para o país ou toda mudança que você for fazer não vai trazer justiça tributária.