O empate entre petistas e bolsonaristas registrado pela nova pesquisa Datafolha marca um ponto de inflexão relevante no quadro político nacional. Pela primeira vez desde o início da série histórica, dois campos ideológicos polarizados apresentam idêntica capacidade de mobilização identitária, cada um reunindo 35% do eleitorado. Esse dado (que, claro, é um termômetro de preferências momentâneas) sinaliza a consolidação de uma nova simetria política: não mais entre partidos de massas com propostas programáticas antagônicas, mas entre dois polos de afeto político quase blindados à realidade institucional que os envolve.

O crescimento do bolsonarismo nesse contexto não se explica por mérito próprio, mas pela deterioração progressiva da expectativa em torno do governo Lula, sobretudo após meses de hesitação política, desgaste na comunicação e frustração com a entrega de promessas de campanha.

Esse reequilíbrio de forças não significa, necessariamente, que o país esteja voltando ao cenário eleitoral de 2022. Naquele momento, embora houvesse já uma divisão intensa entre os dois projetos, Lula representava, para uma parcela relevante da população, uma promessa de reconstrução institucional, moderação econômica e pacificação social.

Em seu terceiro mandato, no entanto, essa promessa tem sido corroída por uma combinação de fatores. Primeiro, pelo esvaziamento de sua linguagem política. A retórica de retomada da “união e reconstrução” não encontrou correspondência no cotidiano da maioria da população.

Segundo, pela dificuldade em entregar resultados objetivos que produzam sentido de direção em quatro anos (crescimento econômico com distribuição, fortalecimento de políticas públicas e contenção da inflação). Terceiro, por um ambiente político adverso que impede a criação de uma narrativa de liderança ativa. O governo se mostra mais reativo que propositivo, mais preocupado em administrar crises do que em construir marcos.

Enquanto isso, o bolsonarismo opera com outro mecanismo. Mesmo diante de acusações de tentativa de golpe, de inquéritos em curso no STF e da inelegibilidade do ex-presidente, sua base permanece mobilizada, coesa e, em certa medida, impermeável aos fatos. O capital simbólico do bolsonarismo não depende mais apenas da figura de Bolsonaro, mas de uma gramática que foi disseminada ao longo dos últimos anos, que é a do Estado como inimigo, do Judiciário como usurpador, da mídia como adversária e da política como espaço ilegítimo se não controlado por “seus”. Essa narrativa se enraíza porque opera menos no campo da razão política e mais no da identidade ressentida.

A manutenção dos 35% não é, nesse sentido, só fidelidade, é uma reatualização cotidiana de uma ideia de pertencimento a um projeto alternativo ao “sistema”, mesmo que esse projeto não ofereça nada de concreto em termos de governança.

O Datafolha registra também que os 30% restantes da população permanecem divididos entre os neutros e os que rejeitam ambos os campos. Esse número é estável desde o início da série e mostra que há um limite razoável para a polarização ativa. No entanto, a eleição nacional, especialmente em sua dinâmica majoritária, tende a se decidir entre os dois extremos.

A desidratação petista verificada na pesquisa não resulta, ao menos por ora, em uma ampliação dos “nem-nem”, mas sim em migração direta ou em silêncio desconfiado, o que é ainda mais perigoso para o governo.

Em termos de estratégia, o campo lulista parece travado. A tentativa de conciliar base social com centro político, articulação parlamentar com discurso popular, resultou em uma espécie de paralisia. O lulismo, outrora identificado com expansão de direitos, inclusão e combate à desigualdade, aparece hoje como uma força institucional defensiva, mais preocupada em manter estabilidade do que em mobilizar esperança.

A queda de quatro pontos percentuais na autodeclaração petista, no intervalo de apenas dois meses, reflete essa erosão em apoio e em sentido político. Sem uma reconfiguração ativa de discurso, sem um reposicionamento que reconecte o governo com a pulsação social, dificilmente o Planalto conseguirá inverter essa curva.

A simetria entre petistas e bolsonaristas, portanto, deve ser lida a partir da perda de protagonismo de um governo que não conseguiu renovar seu pacto com o país, frente a um movimento de oposição que, mesmo sem programa, mantém sua potência simbólica intacta. O risco que se desenha não é apenas o retorno de um nome, mas a consolidação de uma forma de política onde a capacidade de representação será cada vez mais decidida fora das instituições, nos fluxos digitais, nas guerras culturais, nos afetos de rejeição. E, nesse tabuleiro, o bolsonarismo continua jogando com peças que o campo governista ainda não sabe mover.

Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper