No sistema republicano, a convivência entre os três poderes deve ser harmônica e independente, ponderada por contenções recíprocas, chamadas de freios e contrapesos. Esta semana, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário testaram os limites de suas prerrogativas em ações que provocaram choques entre as instituições que compõem esse modelo tripartite.
Os embates se deram na derrubada do aumento do IOF pelo Congresso, na reação do governo (que deve levar o caso ao STF), na audiência convocada pelo ministro Flávio Dino, do STF, para debater as emendas parlamentares, e na operação deflagrada pela Polícia Federal contra desvios de recursos de emendas parlamentares.
Esses são assuntos que se misturam em um contexto que, se não for resolvido com habilidade política, têm elementos suficientes para levar o país a uma crise institucional. Diante do embate de interesses difusos, os chefes dos poderes procuram demarcar seus terrenos e, nesses movimentos, surgem dúvidas sobre até onde podem ir, e a partir de que ponto exorbitam dos seus papeis definidos pela Constituição.
Abaixo, três episódios desta sexta-feira que ilustram bem o confronto dos poderes. São fatos que terão desdobramentos nos próximos meses, com potencial para chegar às campanhas eleitorais de 2026.
Lula pede que AGU estude judicializar queda do IOF
O presidente Lula pediu que a AGU (Advocacia-Geral da União) estude a viabilidade de acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do Congresso de derrubar o decreto que elevava alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A medida havia sido editada pelo governo como forma de compensar a desoneração da folha de pagamentos, mas foi rejeitada por ampla maioria tanto na Câmara quanto no Senado.
A solicitação de Lula à AGU acirra a tensão entre os poderes e expõe a insatisfação do Planalto com o Congresso. Embora até a noite de sexta-feira, 27, o governo não tenha anunciado a decisão sobre judicializar ou não essa questão, a equipe jurídica do governo pediu dados técnicos à Fazenda para embasar uma eventual ação. A avaliação no entorno de Lula é de que a derrubada da medida fragiliza o ajuste fiscal e enfraquece a autoridade do Executivo.
A tendência é que o governo acione o STF com o argumento de que um decreto somente pode ser derrubado pelo Congresso se o Executivo exorbitar de suas prerrogativas, o que não seria o caso, na avaliação do Planalto. A fixação de alíquotas, para os governistas, seria uma atribuição do Executivo.
Motta e Alcolumbre desistem de ir ao STF
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos‑PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União‑AP), decidiram não comparecer pessoalmente à audiência pública, convocada pelo ministro Flávio Dino, para debater nesta sexta-feira a execução de emendas parlamentares impositivas. Os dois haviam confirmado presença, mas resolveram enviar representantes jurídicos das duas Casas.
Dino pressiona o Congresso por transparência na execução das emendas. O ministro também questiona se o Legislativo invade as atribuições do Executivo ao controlar grande parte do orçamento federal.
Sob o comando de Motta e Alcolumbre, o Parlamento resiste a atender às exigências do STF em relação às emendas e, especialmente, ao “orçamento secreto”. Boa parte dos atritos do Congresso com o Supremo decorre desse enfrentamento. Como veremos abaixo, esse assunto virou caso de polícia.
PF faz nova operação contra desvio de verbas
A Polícia Federal deflagrou nesta sexta, 27, a quarta fase da Operação Overclean, que investiga na Bahia denúncias de desvio de recursos federais proveniente de emendas parlamentares. A ação, autorizada pelo ministro Nunes Marques, do STF, teve como alvo o deputado Félix Mendonça Júnior (PDT‑BA), aliado do governo na Câmara. Também foram afastados dois prefeitos baianos suspeitos de envolvimento no esquema. O parlamentar nega irregularidades.
A operação impulsiona o debate, puxado pelo STF, sobre o uso e o controle das emendas. Cerca de 80 congressistas e ex-congressistas são investigados por suspeitas de desvio desses recursos.