As despesas com supersalários no Judiciário dispararam em 2024 e atingiram R$ 10,5 bilhões, segundo levantamento inédito do Movimento Pessoas à Frente em parceria com o pesquisador Bruno Carazza. O montante representa um crescimento de 49,3% em relação a 2023 — ritmo quase dez vezes superior ao da inflação no mesmo período (4,83%). O estudo aponta que os auxílios e benefícios extras, como verbas indenizatórias, já representam mais de 43% dos valores líquidos recebidos pelos magistrados.

O aumento significativo dos rendimentos líquidos mensais, que saltaram de R$ 45 mil em 2023 para R$ 66,4 mil em fevereiro de 2025, é atribuído à proliferação dos chamados “penduricalhos”, benefícios que escapam do teto constitucional de R$ 46.366,19. Muitos deles são classificados como indenizatórios de forma indevida, mecanismo que permite ganhos acima do teto e evita a cobrança de Imposto de Renda.

De acordo com o estudo, o pagamento de auxílios cresceu de forma contínua desde 2022 e elevou o rendimento médio dos magistrados para além do teto ainda naquele ano. A tendência se acentuou em 2024, tornando os supersalários regra e não exceção. A pesquisa se baseia em dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas não consolidou informações do Ministério Público devido à indisponibilidade e à baixa qualidade dos dados.

Para a diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, Jessika Moreira, a continuidade desse cenário representa um risco não apenas fiscal, mas também institucional. “É alarmante ver que somente entre 2023 e 2024 houve um aumento de 49,3% no custo dos supersalários dos magistrados. Se esse ritmo se mantiver, em dois anos esse valor terá dobrado, e o Brasil não pode mais permitir isso”, afirma. “Para além da questão do impacto fiscal e da sustentabilidade orçamentária, os supersalários ampliam a desigualdade remuneratória no serviço público e têm um efeito desmoralizante na legitimidade do Estado.”

Jessika cita ainda uma pesquisa Datafolha encomendada pelo movimento que mostrou que 1 a cada 4 brasileiros acredita que todos ou a maioria dos servidores públicos recebem acima do teto. “O que está muito longe de ser verdade, pois os supersalários estão concentrados em apenas 0,06% dos servidores. Metade do funcionalismo ganha salários de até R$ 3.300,00. Isso gera desigualdade dentro do serviço público e impacta na confiança que a população tem nas instituições públicas”, acrescenta.

O Movimento Pessoas à Frente defende que o combate aos supersalários seja incorporado à proposta de Reforma Administrativa que está sendo analisada na Câmara por um grupo de trabalho coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ).

Os privilégios mais comuns
A entidade também alerta para o risco de retrocesso: o Projeto de Lei 2.721/2021, atualmente em tramitação no Senado, poderia legitimar os penduricalhos se for aprovado. “Das 32 exceções ao teto constitucional salarial consideradas como verbas indenizatórias no PL 2.721/21, há pelo menos 14 classificadas incorretamente e que deveriam ser consideradas remuneratórias, ou seja, incluídas no cálculo para incidência do teto constitucional”, aponta Jessika. “Dentre essas exceções estão, por exemplo, auxílio alimentação, ressarcimento para o pagamento de plano de saúde e gratificação por exercício cumulativo de ofícios”, complementa.

Entre os privilégios mais comuns listados pelo estudo estão férias de 60 dias convertidas em dinheiro, gratificações por acúmulo de funções, licenças por tempo de serviço e até a aposentadoria compulsória como forma de punição — medida que, na prática, preserva os rendimentos do servidor punido.

Para barrar essa possibilidade, uma coalizão de organizações da sociedade civil elaborou um manifesto com nove medidas para acabar com os supersalários. As propostas incluem o fim da classificação indevida de verbas como indenizatórias, a exigência de lei para criação de adicionais e a tipificação de pagamentos acima do teto como improbidade administrativa.