O Brasil e sua encruzilhada
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva derrotou não só o obscurantismo, o negacionismo e o fundamentalismo religioso, como também o risco de uma ditadura militar. Derrotou Jair Bolsonaro e o bolsonarismo, uma cópia piorada do que é o trumpismo.
De 2023 para cá, Lula preservou a democracia, o que historicamente não é pouca coisa. Mais do que isso, garantiu liberdades democráticas como os direitos sociais. Repôs o Brasil no mundo, reconstruiu nossa imagem e autoestima, e retomou as relações comerciais e estratégicas com nossos parceiros, entre os quais a China, a Ásia e o Sul Global em geral, sem abandonar a Europa – pelo contrário, assinou defendeu e sustentou o acordo União Europeia-Mercosul.
Manteve excelente relação com os Estados Unidos na administração Joe Biden e, mais do que isso, firmou declarações políticas em defesa da democracia e de fortalecimento dos sindicatos. Sustentou uma agenda contra a fome e pela taxação dos ricos. Lula não faltou ao povo palestino e foi o primeiro chefe de Estado e de Governo a denunciar o genocídio em Gaza. Há décadas clama pela reforma da ONU e denuncia os riscos à paz da política militarista, hoje uma realidade com os ataques ao Irã e o rearmamento da Europa.
Lula defende a agenda ambiental, cobrando dos países ricos sua contribuição à redução da poluição e o financiamento, e preside a COP-30, onde o Brasil estará na frente desta luta de vida ou morte.
No Brasil, além de garantir a democracia, repito, manteve o país crescendo em todos os sentidos: PIB, renda e emprego. Sustentou as condições políticas e de gestão para o financiamento da agricultura, da indústria e da inovação tecnológica dentro das restrições estruturais que nos impõe, isto é, políticas monetárias restritivas e juros altos.
Retomou e consolidou as políticas sociais de distribuição de renda. Buscou retomar o papel do governo federal na luta contra o crime. Priorizou a educação com avanços no ensino integral técnico e na pesquisa científica tecnológica, além de ter apoiado a juventude com o programa Pé-de-Meia.
Procurou proteger milhões de mães e crianças da fome e pobreza com medidas como o Vale-gás e a isenção de impostos e de tarifa de energia, para sustentar os programas sociais – educação pública, SUS, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e Previdência pública –, garantir o mínimo de bem-estar para a maioria do nosso povo e evitar o agravamento da concentração de renda e da pobreza.
Por que as pesquisas de opinião não refletem o que Lula e seu governo fizeram até aqui? Por que a diferença entre as realizações e a percepção de muitos?
O governo Lula não fez mais porque não tem maioria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A recente derrubada estrondosa do decreto presidencial do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi um dos muitos exemplos dessa correlação de forças adversa. Na verdade, querem dar à derrubada, manifestamente inconstitucional, a marca da disputa eleitoral de 2026. E o mais grave são as ameaças do presidente do PP, Ciro Nogueira, se o governo ou um partido pedir – o que é um direito líquido e certo – sua inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
É legítimo que o governo e as forças políticas que o apoiam acionem o STF e se mobilizem. Não podemos e não devemos aceitar a tentativa de antecipação de 2026, a imposição de um semipresidencialismo, a resistência à isenção do imposto de renda até R$ 5 mil e qualquer ideia de anistia aos golpistas.
Eis a mais pura verdade e realidade: a direita e a extrema direita são maioria no Congresso e têm outro programa que não o escolhido nas urnas em 2022. No fundo, querem dar continuidade ao programa Temer-Bolsonaro contra todas evidências e fatos em nível mundial, com desmonte do Estado Nacional e de Bem-Estar Social e mesmo regressão democrática. Recusam-se às reformas políticas e econômicas que o país reclama, começando pela tributária progressiva e política e o fim da escala 6×1. Querem privatizar os bancos públicos e a Petrobras, desvincular o salário mínimo da aposentadoria, e desvincular os gastos da educação e saúde, além de privatizar a Previdência.
De nada adiantam as evidências mundiais segundo as quais foram exatamente essas políticas e a austeridade fiscal que levaram a Europa e os Estados Unidos à extrema direita. Submeter um continente potência como o Brasil a tal agenda fracassada é um suicídio nacional.
O Brasil precisa de uma revolução política e social e é nosso dever colocar esse dilema abertamente para nosso povo e deixá-lo decidir em 2026. Essa batalha começa já. Ela é urgente. Vamos pôr às claras para nosso povo a verdade: nossas elites renunciaram ao Brasil e se agarraram aos privilégios que impuseram ao país. Por essa razão recusam toda e qualquer política de distribuição de renda, riqueza e patrimônio. E querem mais. Querem nossa alma e nossos sonhos. Mas não nos vencerão.
José Dirceu é um político brasileiro, advogado, consultor e militante de esquerda com uma longa trajetória no cenário político do país. Autor de três livros – Abaixo a Ditadura (1998), Tempos de Planície (2011) e Zé Dirceu – Memórias volume 1. iniciou sua militância política durante os anos de ditadura militar no Brasil, engajando-se no movimento estudantil, do qual foi líder entre 1965 e 1968. Foi deputado estadual por São Paulo, exerceu três mandatos de deputado federal,, e ministro-chefe da Casa Civil durante o primeiro Governo Lula, em 2003. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, seu secretário geral e presidente por quatro mandatos
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