Na queda de braço entre a Câmara e o Planalto por causa do aumento do IOF, quem saiu perdendo foi Hugo Motta. E, mais que isso, as atitudes erráticas do presidente da Casa abriram caminho para a campanha de Lula à reeleição. A avaliação é do sociólogo Rudá Ricci, que há 40 anos estuda a política brasileira e seus bastidores.

Para Rudá, Lula faz um “governo sem sal, sem imagem, modorrento e preguiçoso”. Mas, ao entrar na disputa pelo destino do IOF, Hugo Motta deu ao petista a linha de um discurso poderoso, o de ricos contra pobres, colocando os deputados como “príncipes da República”.

“Nessa história do IOF, ao liderar uma reação institucional muito violenta contra o governo Lula, em especial contra Fernando Haddad, acho que Motta deu um passo além da perna”, disse Rudá.

O sociólogo afirma que o presidente da Câmara começou “um movimento errático muito parecido – mas à direita – com o de Dilma Rousseff, com a sua inexperiência ao assumir o governo”. Ele aponta que Motta dá sinais de apoiar o governo e depois recua. No caso do IOF, Rudá avalia que o deputado “parece muito estimulado pelo alto empresariado paulista em especial e com uma parte da grande imprensa”.

Esse recuo com o IOF foi tão marcante que Lula deixou, pelo menos por ora, seu tom conciliador e partiu para o enfrentamento.

“Pode ser que o Lula seja covarde mais uma vez, o que está sendo sua marca, e recue nisso. Mas, se ele resolver abandonar qualquer discussão para passar qualquer projeto de lei no Congresso em 2026 e for para o pau, ele está reeleito”, afirmou.

Análise em mais de 2,5 milhões de postagens feita pela agência Ativaweb e divulgada pela coluna mostrou que, nas redes sociais, Motta ganhou o status de vilão e de protetor de interesses que não o dos trabalhadores e dos mais pobres. “Hugo Motta deu de presente esse discurso para Lula”, disse ele.

“Lula se vê desimpedido, numa situação de queda de popularidade, de se aliar com o Centrão”, diz o sociólogo, que completa: “até então ele estava totalmente conciliador, mas o problema é que esses deputados federais têm uma fome que não acaba”.

Lula, com Hugo Motta e Davi Alcolumbre

Retrato do início do ano legislativo: Lula, com Hugo Motta e Davi Alcolumbre.   Foto: Ricardo Stuckert

Em retrospecto, Rudá Ricci afirma que Lula tornou-se um líder político “muito recuado”, temeroso do poder do bolsonarismo nas ruas. Mas, com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e com a fragmentação de seu grupo, onde líderes já disputam seu legado, o presidente encontrou um caminho para dominar o debate público e mobilizar as bases sociais. Isso dias depois de o ex-presidente não conseguir reunir mais que 12 mil pessoas na Paulista.

Agora, com o caso do IOF nas mãos de Alexandre de Moraes, Rudá Ricci afirmou que Lula continua ganhando, uma vez que o ministro do STF suspendeu tanto o aumento do imposto quanto sua derrubada feita pelo Congresso.

“Alexandre de Moraes está dando uma chance para o Congresso recuar, eu não tenho dúvida nenhuma. Não é um recuo do governo. E o Congresso vai ter que recuar porque, ao lado da cadeira de Alexandre de Moraes está Flávio Dino, cuja grande pauta é a emenda parlamentar. É evidente que está tudo no balaio e vai ser um acordo”, disse o sociólogo.

Nesse embate, destaca Rudá, uma figura chama ainda mais atenção: o ministro Fernando Haddad, que subiu o tom. Para o sociólogo, tanto Haddad quanto Lula vinham recuando o tempo todo para ceder ao Congresso, mas a pauta política mudou.

“Pintou o herdeiro”, disse Rudá Ricci sobre Haddad ser o possível sucessor de Lula. “Acho que Haddad está no movimento de se classificar, se não para 26, para 2030. No PT inteiro, eu ouço todo mundo falando nisso.”

Outra figura que terá papel preponderante nessa disputa entre Congresso e governo é o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. O senador é mais experiente e visto no governo como mais confiável que Motta: “Se Alcolumbre começar a estender a bandeira da paz, a bandeira branca, e começar a mudar um pouco o discurso, Hugo Motta vai ficar sozinho e terá que ceder.”