A saia justa entre o Poder Executivo, com Lula no Comando, e o Congresso Nacional, onde Hugo Motta e David Alcolumbre dão as cartas, nunca esteve tão à flor da pele como nos dias de hoje. Mesmo com o toque de classe e sabedoria do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, convocando as tribos a fumar um cachimbo da paz sem arcos e flechas, quem transita por aquelas bandas sabe muito bem que as feridas abertas estão mais expostas do que nunca.

Por fora o clima sinaliza paz. Por dentro há quem diga que os duelos estão marcados em algumas esquinas. Todas elas com um pano de fundo onde se leem as eleições de 2026. Quem duvidar bebe o suco da ingenuidade, ou não conhece Lula, ou não conhece o Parlamento.

Cada poder luta por seus direitos, mas o que fica evidente é que, por mais que o tratamento entre as partes se mantenha ainda dentro do equilíbrio que o bom senso exige, é difícil não admitir que o ambiente que já estava ruim caminhe para algo ainda mais delicado. O episódio da votação que derrubou o decreto do governo sobre o IOF ainda reserva capítulos de intensa discussão jurídica, e é visto por especialistas como um retrocesso, para ambos os lados.

Pelo lado político, não há como desvincular o total desprezo do presidente da Câmara, Hugo Motta, se fazendo de difícil para um diálogo mais aprofundado sobre a questão. Sua atitude em apressar a votação de uma medida de tamanha importância, sem melhor avaliar, foi considerada absurda pelo presidente da República. E, embora de lá para cá reuniões e afagos entre as partes tenham amenizado o tamanho do trauma, teremos dias de tensão pela frente, inclusive com algumas faixas chamando a questão de luta de ricos contra os pobres. Um deleite interminável e negativo na rede social, que mais prejudica do que ajuda.

Especialistas com longas jornadas nesse conturbado ambiente, e excitado mundo político, acreditam que nas negociações que serão retomadas agora, sob a sombra se uma bandeira branca e com mensagens de paz, podem até projetar um cenário em cores vivas, mas o filme real a ser visto será em branco e preto. Não há como deletar dos alfarrábios nessa discussão a verdade verdadeira que há por detrás de todo esse ambiente antagônico, já incrustado nesta pedra de difícil remoção. Haverá, sim, inúmeras tentativas.

Aliás elas já começaram. Mensagens guardadas na memória nos remete para o mês de setembro de 1993, quando na cidade de Ariquemes, em Rondônia, Lula em campanha política sentenciou que no Congresso Brasileiro havia cerca de 300 picaretas trabalhando contra o Brasil. Já se passaram 32 anos que essa carapuça foi musicada pelos roqueiros do Paralamas do Sucesso, um baita hit musical.

A repercussão foi grande. Lula não foi eleito, e ninguém conferiu até hoje se esse número aumentou, diminuiu ou continua do mesmo tamanho. O que houve de lá para cá, muitas histórias de altos e baixos pra se contar. Pesquisa recente da Genial Quest atesta que 55% dos deputados consultados hoje acham que qualquer decreto apresentado pelo presidente terá dificuldades de aprovação.

A mesma pesquisa relata que 55% por cento dos parlamentares consultados acham que Lula não fez uma reforma ministerial efetiva, com viés de governabilidade. O instituto também avança nas avaliações, apontando que 45% dos consultados no Congresso têm um perfil de direita, seguidos de 25% de centro. No detalhe, indica também uma aprovação do trabalho de Hugo Motta na ordem de 68%, índice bastante otimista segundo correligionários. Diante desse cenário, não é difícil imaginar o que o segundo semestre deste ano de 2025, antessala para o pleito do ano que vem, nos reserva grandes expectativas.

Tudo que esse episódio envolvendo a votação e queda do IOF nos revelou nada mais foi do que um ensaio com ingredientes que, tudo indica, não será diferente quando de fato o espetáculo começar. Com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) na panela de azeite quente, e a oposição fazendo de tudo para infernizar a vida do presidente Lula até que o Supremo sele o destino de Bolsonaro, essas pendengas políticas vão inundar a mídia com um rico repertório de acordos e acertos que o cidadão se esforça para entender. Sempre pagando um pato que não comprou.

José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais