PODER E POLÍTICA. SUA PLATAFORMA. DIRETO DO PLANALTO

O segundo turno do apagão na capital paulista

São Paulo mergulha no escuro por dias seguidos e candidatos trocam acusações na tentativa de fazer o eleitor achar um culpado. O novo round da disputa ganha, enfim, alguma emoção

Foto: Reprodução/Facebook_RicardoNunes e Leandro Paiva/Flickr_Boulos
Foto: Reprodução/Facebook_RicardoNunes e Leandro Paiva/Flickr_Boulos

Se no meio do caminho do primeiro turno em São Paulo havia uma cadeira, agora há um apagão. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) parecia deslizar alegremente pelos 55 pontos da pesquisa Datafolha de 10 de outubro, contra os 33% de Guilherme Boulos (PSOL), até que, no dia seguinte, um vendaval derrubou árvores e acabou com a luz de milhões de paulistanos. Até a noite da segunda-feira 14, mais de 400 mil residências ainda estavam sem energia elétrica.

Amargando uma rejeição difícil de reverter (58%), Boulos usou o apagão a seu favor. Cento e cinquenta árvores caíram e o candidato socialista levantou as mazelas da administração municipal, mostrando no horário eleitoral moradores que chegaram a pedir dez vezes pela poda de árvores sem resposta da prefeitura. O tema saltou da propaganda para o debate da Band, na noite da segunda-feira em que uma parte significativa de São Paulo seguia apagada.

Ricardo Nunes e Guilherme Boulos duelaram sobre a culpa pelo mau serviço. O prefeito tentou jogar para o governo federal a responsabilidade pela fiscalização e disse que Boulos, como parlamentar, não atuou contra a Enel, a empresa italiana fornecedora do serviço. É um discurso que serve para conter danos e, ao mesmo tempo, tentar colocar o psolista contra as cordas. Àquela altura, não se sabia exatamente para qual dos lados o estrago seria maior.

O tom foi duro, com momentos de tensão, mas o primeiro debate do segundo turno trouxe de volta uma certa normalidade depois do furacão causado no primeiro turno por Pablo Marçal (PRTB). O coach usou, durante todo o tempo, uma metralhadora giratória e golpes abaixo da cintura para tirar os adversários do sério. Sua passagem pela eleição serviu para rachar o bolsonarismo – o ex-presidente Jair Bolsonaro apoia oficialmente Nunes, mas parte de seus apoiadores preferiu votar em Marçal – e acabou por fortalecer Tábata Amaral (PSB).

Para Marco Faganello, doutor em ciência política pela Unicamp, "pode ser que o apagão funcione como um cisne negro, um evento aleatório que muda todas as condições da disputa". "Mas Boulos tem um problema de alcance, uma dificuldade de furar a própria bolha. Nunes parece ter mais facilidade", avalia, acrescentando que o "caminho seguro" defendido pelo prefeito ganhou força nas ruas.

A campanha de Nunes tem batido incansavelmente nessa expressão, nascida nas pesquisas qualitativas e usada à exaustão em toda a propaganda eleitoral. Com uma administração que não satisfaz a maioria, Nunes construiu seu caminho apostando no medo do eleitor do pretenso radicalismo de Boulos. Se está ruim pode ficar pior, é o subtexto.

Em entrevista ao PlatôBR ainda antes do primeiro turno, o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas (MPGPP) da EAESP-FGV, já apontava para situação crítica de Boulos no pleito. Para ele, os desafios do candidato são ainda maiores do que na eleição de 2020, na qual o socialista disputou o segundo turno com o então prefeito Bruno Covas (PSDB) – foi com a morte de Covas, de quem era vice, que Nunes assumiu a prefeitura, em 2021.

“Se a atual administração tem uma avaliação razoável, e acho que o Nunes se encaixa nessa categoria, as pessoas às vezes preferem não arriscar, não trocar o certo pelo duvidoso, e acabam, simplesmente, reelegendo o prefeito. Por isso, dois terços dos prefeitos são reeleitos normalmente. Nunes se beneficia dessa tendência e ainda mais, ao associar o Boulos a um sujeito mais radical. E Boulos é percebido como ainda mais radical do que foram os candidatos petistas”, afirma Couto.

Nos primeiros dias após o apagão, o tracking e o monitoramento dos grupos qualitativos feitos pela campanha de Boulos vinham apontando para uma janela de oportunidade na campanha. Cautelosa, equipe do candidato avaliava, porém, que ainda era cedo para concluir que seria algo capaz de mudar significativamente os números. Já a campanha de Nunes tentou criar uma vacina com o esforço para jogar a responsabilidade para o governo federal.

Ainda no final de semana do apagão, o prefeito colocou um colete da Defesa Civil e foi vistoriar a cidade. Mas logo em seguida passou a adotar um discurso de indignação contra a Enel e o governo Lula.

O discurso de indignação é calculado para que eleitor que não quer votar na esquerda tenha uma justificativa para manter seu voto em Nunes, ainda que a resposta do prefeito a uma crise de infraestrutura não seja satisfatória, explica a cientista política Juliana Fratini.

"Síndrome de Estocolmo"

Não é à toa que os marqueteiros de Boulos estão cautelosos. Juliana Fratini explica que o eleitor vive uma espécie de síndrome de Estocolmo e se agarra ao administrador municipal mesmo que considere sua gestão insatisfatória.

Um exemplo disso é a prefeitura de Porto Alegre, lembra Fratini. "Ainda há bairros fantasmas, pessoas morreram, pessoas perderam tudo nas chuvas, e o prefeito, Sebastião Melo (MDB), que negligenciou muitas medidas, foi facilmente para o segundo turno contra a candidata do PT, Maria do Rosário", afirma a cientista política.

De todo modo, complementa Fratini, o apagão traz para o palanque "uma dor que a cidade está sentindo agora". "Há acusações de negligência que as pessoas esquecem e que são lembradas na eleição, mas o apagão traz o descontentamento da população sobre a resposta precária do prefeito."

A segunda etapa da eleição, que já se desenhava modorrenta, ganhou alguma emoção – de uma maneira desagradável para os paulistanos, com todos os inconvenientes do apagão, mas ganhou.

search-icon-modal