É verdade que há no ar um ambiente malcheiroso, ou talvez perturbador, na relação outrora de paz e amor entre o Brasil e os Estados Unidos. Não vamos negar as evidências. Mas esse estrago, que pode ser momentâneo ou duradouro, tem endereço, DNA, impressões digitais e caixa postal registrados. A lista de padrinhos dessa página infeliz da nossa história é longa, e tem firma reconhecida em cartórios.

A cerimônia de batismo foi aberta, mesmo que indiretamente, por Jair Bolsonaro, vindo a seguir o agente infiltrado Eduardo Bolsonaro, ambos abonados com ufanismo pelo próprio presidente Donald Trump. Até para os menos interessados ou preocupados em saber como todo esse ambiente de desgaste e provocações começou, o cenário exposto é fértil, rico e recheado de fatos impossíveis de serem contestados por argumento algum.

Desde que, pela segunda vez, o presidente Trump assumiu a Casa Branca, a sua volúpia e insistente decisão em impor taxações de impostos elevados às importações ao país começaram a ser anunciadas. O Brasil sempre esteve no topo das cotações mais elevadas. Em momento algum o presidente da nação mais poderosa do mundo negou que, para evitar essas punições ao Brasil, havia também um real ingrediente político de seu interesse.

O líder americano condicionou negociações diplomáticas sobre o assunto caso o governo brasileiro livrasse Bolsonaro e parentes, segundo ele, de perseguições políticas. Nos bastidores dessa negociação macabra, a figura de Eduardo Bolsonaro, sem pudor algum, nunca foi sequer disfarçada. Ao contrário, ele foi o regente e integrante de uma orquestra muito bem montada pelo pai protetor, Jair Bolsonaro. O que se viu, e se ouviu, sobre o assunto nos últimos trinta dias inundou a mídia mundial, chocou entidades e colocou num mesmo palco interesses e busca de soluções, todas elas direcionadas a saciar uma avalanche de vontades disparadas por Trump.

Algumas resvalando no absurdo. Governo, empresários e alguns políticos se estrebucham na busca de soluções que possam aliviar esse embate psicológico, emocional e financeiro, ao qual muitos perdem, e alguns resistem. Pena que tudo isso esteja acontecendo e reunindo justamente duas nações cujo histórico é rico em uma série de atividades e convivências de interesses similares. O Brasil está entre os maiores exportadores de bens de consumo para os Estados Unidos. Somente no ano de 2024 o Brasil exportou para os Estados Unidos 40,3 bilhões de dólares, levando para aquele país café, suco de laranja, petróleo, carne bovina, açúcar, aeronaves, entre outros produtos.

A colônia brasileira nos Estados Unidos, legalmente instalada, gira em torno de 2 milhões de famílias, espalhadas pelos estados da Flórida, Nova York, Nova Jersey e Califórnia. Somente na cidade de Orlando residem mais de 170 mil brasileiros, famílias ali instaladas há vários anos. O número de americanos que hoje, legalmente, residem no Brasil é de aproximadamente 100 mil pessoas, quantidade que oscila com alguma regularidade. Dados oficiais apontam que os americanos começaram a buscar o Brasil como opção de vida logo após o final dos conflitos entre o Sul e o Norte daquele País. A guerra de secessão aconteceu entre 1861 e 1865, e dividiu o País com sangue e violência.

Brasil e EUA, como a maioria dos países, conviveram em ambiente cultural saudável, com diferenças e semelhanças, com respeito e consideração a costumes e tradições, até os dias de hoje sem que nada tenha acontecido que exigisse providências preocupantes de ambos os lados. O inglês, língua oficial praticada nos Estados Unidos, é ensinada regularmente no Brasil em todos os níveis de escolaridade. A música, o teatro, o cinema e inúmeras outras atividades culturais dos dois países há anos seguem uma rotina de intercâmbio sem que haja nenhum questionamento que tenha interferido até os dias de hoje em qualquer segmento social, político e empresarial.

As diferentes posturas religiosas, costume alimentar, condutas esportivas e posicionamentos políticos existem, e para sempre vão existir. Práticas democráticas são exercidas assim, por aqui e por lá também. Trazendo de volta a antiga e sobejamente condenada política da conduta vira latas, a família Bolsonaro estranhamente se curva e escancara um comportamento lambe-botas sem se preocupar um minuto sequer com o julgamento da opinião pública brasileira e do restante do mundo. A própria direita sul-americana zomba e ironiza do comportamento submisso e rasteiro que esses brasileiros, sem aval algum, submetem o Brasil e toda a sua história a um inusitado episódio de descredenciamento sem precedentes.

O convívio harmonioso social e político entre os dois países sempre existiu sem rusgas ou qualquer atropelo que pudesse gerar qualquer tipo de constrangimento. Em 1978 o Presidente Jimmy Carter esteve em Brasília e no Rio de Janeiro, sendo recebido pelo Presidente Geisel. Ainda no governo militar, Figueiredo em 1982 esteve com o Presidente Ronald Reagan em Brasília e em São Paulo. Lula recebeu George Bush em 2005 e 2011 e em 2024 o ex-presidente Joe Biden visitou o Brasil, passando por Brasília e Manaus. Trump, como presidente, nunca esteve no Brasil. Esteve por aqui em 1989, como empresário em negociações fracassadas.

Não raro, esboça ironias e críticas ao comportamento de autoridades brasileiras. Recentemente, de público e sem nenhuma justificativa razoável, fez ameaças e sugeriu interferência no sistema de atuação jurídicas da Corte Suprema brasileira. Gabriel Escobar, encarregado de Negócios da Embaixada Americana no Brasil, chamado pelo Itamaraty para explicar decisões estranhas adotadas contra o nosso País, ouviu mais do que falou.

E quase nada respondeu. Trump, em poucos meses, está conseguindo estragar e danificar uma boa e saudável relação quase secular entre os dois Países. Tem como assessores para esse distanciamento integrantes de uma mesma família, que faz do oportunismo político um trampolim que já sinaliza levar ninguém a lugar algum. Uma lástima…

José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais