Câmara frágil, e a cadeira de Ulysses ainda vazia
Para quem assumiu a presidência da Câmara dos Deputados, em 23 de maio de 2023, se dizendo admirador e pronto a seguir a trajetória de Ulysses Guimarães, o desempenho do parlamentar Hugo Motta até agora deixou muito a desejar. Com certa dose de humor, e picardia, vem de um colega de plenário uma definição que, segundo ele, identifica a visível insegurança nas atitudes adotadas por Motta. “Onde se lê: entre sem bater, ele bate e não entra”.
A definição tem lá sua graça, mas na verdade escancara uma imagem que soa negativamente perante a mídia, a comunidade e, principalmente, o Parlamento, entidade que cabe a ele liderar com atitudes seguras, isenção e disciplina. Na cartilha de orientação a quem deseja vencer essa competição, em algum momento, alguém vai ler e aprender que no mundo político nada depende de amizades, e sim de circunstâncias.
As recentes manifestações de insurgência de parlamentares direitistas, travando e impedindo o funcionamento regular da casa, submeteram Hugo Motta a uma prova severa de comando. Com escoriações generalizadas nos itens de liderança e austeridade, se mostrou submisso e, quando confrontado por colegas, esboçou reações tímidas e desproporcionais ao cargo que exerce.
Quem acompanha a trajetória de Motta desde que ele assumiu o cargo de presidente deve se lembrar de suas declarações e atitudes sobre as ações de vandalismo na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Revisitando a história, com isenção e serenidade, todos devem se lembrar que para ele aqueles atos de selvageria e afronta à Constituição foram isolados, e não poderiam ser interpretados como tentativa de golpe à Nação.
O posicionamento do atual presidente da Câmara, à época, foi criticado e para muitos gerou dúvidas quanto à sua imparcialidade na avaliação de um fato com sinais evidentes de transgressão. Nos acontecimentos recentes no plenário da Câmara, Hugo Motta, mais uma vez, mostrou visível fragilidade e insegurança para adotar medidas que seu cargo sempre exige. Nascido em João Pessoa, no dia 12 de outubro de 1992, Motta fez carreira brilhante na política, desde cedo apontado como ético e progressista.
Chegou a Câmara aos 35 anos, trazendo na bagagem vitórias e total apoio e incentivo de seu estado, que o elegeu deputado federal sempre com elevado percentual de votos. Em campanhas, e na vida particular, sempre carregou a bandeira de Ulysses Guimarães como símbolo daquilo que um dia gostaria de ser.
Ulysses nos deixou em outubro de 1992, com 76 anos, e nessa data Motta tinha apenas dois anos de idade. No meio político, notadamente aquele habitado por parlamentares com mais tempo de estrada, a avaliação é que a pouca idade e talvez a falta de traquejo e determinação para o confronto com o radicalismo assustador do bolsonarismo tenham, de alguma forma, intimidado a liderança do presidente da Casa.
Imagens de TV, e depoimentos de pessoas que estiveram presentes aos atos nada republicanos de alguns parlamentares, atestam com bons argumentos a evidente postura negativa de quem deveria ter adotado medidas mais eficientes. Trazendo o debate para os dias atuais, é inegável que ainda está no ar um amontoado de perguntas endereçadas à presidência da Câmara, todas elas com robustas argumentações e consistência.
No varal de cobranças estão penduradas algumas perguntas, como por exemplo, qual a real situação burocrática do deputado Eduardo Bolsonaro, hoje acampado na porta da Casa Branca, falando mal do Brasil e ironizando o nosso Parlamento com sarcasmo e deboche. Que tipo de punição caberá aos invasores do espaço da presidência da Câmara, em algumas situações com sinais evidentes de possível resistência física?
Caberia também ao presidente da Câmara demonstrar aos que o elegeram sua real disposição e exercer o cargo disposto a enfrentar tempestades e furacões, fenômenos frequentes por ali. A atuação do Conselho de Ética da Câmara, que hoje reúne 21 membros, faz parte da lista do pacote de críticas enviadas à Câmara dos Deputados.
Para muitos o conselho, desde que existe, exagera nas exigências burocráticas para se reunir e tem como norma de conduta sempre protelar e prolongar decisões, e quase sempre aliviar punições. O PL, com 4 integrantes, e o PT, com 3 deputados, são os dois partidos com o maior número de representantes no conselho.
O calendário de tarefas e missões difíceis de Hugo Motta é intenso, e tende a ficar ainda maior. Para que algum dia seja lembrado como um fiel seguidor de Ulysses Guimarães, e mantenha essa representação com a grandeza que ela impõe, cabe a Hugo Motta um freio de arrumação que lhe proporcione dias melhores. Até agora, nada que o coloque na série B da competição. Mas ainda está bem distante de uma medalha de ouro.
José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais
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