Ao final de seu voto no julgamento da tentativa de golpe no STF, Alexandre de Moraes recorreu à História do Brasil para explicar, didaticamente, como são independentes e autônomos entre si os crimes de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de Golpe de Estado. Moraes considerou Jair Bolsonaro e os demais sete réus culpados por tentativas desses dois delitos, além de organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Moraes citou três exemplos de rupturas da história brasileira, apontou as diferenças e explicou como cada uma seria enquadrada no Código Penal atualmente: a “Noite da Agonia” de 1823, sob o imperador D. Pedro I; a Revolução de 1930, que acabou com a República Velha; e o golpe militar de 31 de março de 1964, que derrubou João Goulart.

O relator do julgamento da tentativa de golpe explicou que a “Noite da Agonia” seria tipificada no artigo 359-L do Código Penal, que trata do crime de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito e prevê impedir ou restringir o exercício dos Poderes. Em 12 de novembro de 1823, D. Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte responsável por elaborar uma Constituição. A ruptura abriu caminho para a Constituição outorgada em março de 1824, que fortaleceu o monarca com a criação do Poder Moderador exercido por ele.

Sobre este mesmo crime, Alexandre de Moraes fez uma comparação com o caso da minuta golpista encontrada nas investigações contra Bolsonaro e seus aliados. “A minuta do golpe visava a tentar abolir a Justiça Eleitoral, substituindo-a por uma comissão composta por um grupo político”.

Em um exemplo sobre o Artigo 359-M do Código Penal, o crime de Golpe de Estado, Moraes citou a Revolução de 1930, um movimento armado que depôs o governo Washington Luís e impediu a posse de Júlio Prestes, levando Getúlio Vargas ao poder. “Aqui é um golpe de Estado, que acaba com o final do mandato e impede o início de outro mandato”, explicou o ministro, diferenciando esse caso do da “Noite da Agonia”.

Alexandre de Moraes ainda citou o Golpe de 1964, que abriu caminho para 21 anos de ditadura militar, como um exemplo de que é possível que os dois crimes ocorram simultaneamente. A deposição de João Goulart corresponderia ao atual crime de Golpe de Estado. Já medidas previstas nos Atos Institucionais 2 e 5, que limitaram o exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, seriam enquadrados como Abolição Violenta do Estado de Direito.

O ministro destacou que, para a configuração destes dois crimes, basta que haja tentativas de cometê-los. Evidentemente, como disse Moraes, golpes e rupturas institucionais consumados e bem-sucedidos, como em 1823, 1930 e 1964, não levam à responsabilização dos golpistas — ao contrário das maquinações do governo Bolsonaro em 2022.

Concluiu o ministro:

“Ninguém vai responsabilizar o imperador que atentou contra o Estado de Direito e permaneceu no poder. Nem responsabilizar Getúlio Vargas, que tomou o poder. Aqui se exige a tentativa, e não a consumação, seja do Estado de Direito, seja do Golpe de Estado. Porque se houver consumação, quem vai exercer o poder de maneira ditatorial e tirânica não vai permitir que se responsabilize, como na história do Brasil nós já verificamos”.