O voto do ministro Luiz Fux, que divergiu do relator, Alexandre de Moraes, para absolver Jair Bolsonaro e outros réus dividiu juristas no campo técnico, mas até os que concordaram com a tese da decisão admitem que ele agiu de forma contraditória em relação a posicionamentos anteriores. Professor de Direito Penal da PUC do Rio Grande do Sul, Alexandre Wunderlich avaliou em conversa com o PlatôBR que o voto se baseou nos princípios constitucionais e concorda com os argumentos do ministro, mas ressalva que a veia garantista de Fux é quase inédita no seu histórico.
“É um garantismo de ocasião. Ele olha com lupa a Constituição e fez um voto com várias posições que eu defendo. Ele fez um voto com um olhar técnico, mas não é usual dos votos dele”, apontou o professor, indicando posturas anteriores do ministro. “No ano de 2025, o ministro Fux concedeu só nove habeas corpus, nenhum deles por cerceamento de defesa. Hoje ele faz uma ode à ampla defesa”, apontou. “Usando a linguagem popular, eu diria que seria bom se sempre fosse assim”, completou.
Entre as contradições de Fux, a mais comentada refere-se ao pedido de nulidade do processo, com alegação de vício de origem e apontando incompetência do STF para julgar o caso. O tom político atribuído ao ministro está no fato de que ele julgou mais de 400 ações penais envolvendo a tentativa de golpe do 8 de Janeiro, seguindo a posição de Moraes.
O voto movimentou grupos de advogados nas redes que também apontaram que o ministro participou de centenas de julgamentos envolvendo indivíduos diretamente implicados nos atos antidemocráticos, sem suscitar qualquer questionamento acerca da ausência de prerrogativa de foro em relação a réus. Os julgados não tinham prerrogativas de foro, nesses casos. “A mudança de posicionamento, sem a devida fundamentação que a justifique, fragiliza a coerência decisória e compromete a previsibilidade das decisões da Suprema Corte, valores estes essenciais à segurança jurídica”, disse Eduardo Barbosa, mestre em direito constitucional pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).
“Nesse julgamento, especificamente, ao que me parece, Fux deu uma virada de 180 graus no entendimento dele. Ele acabou tendo um posicionamento libertário, coisa que vai bem de encontro ao raciocínio dele em toda a história desde que ele assumiu a cadeira no Supremo. Eu não tenho dúvidas de que ele tornou esse julgamento político”, disse Barbosa.
Duplo grau
Barbosa concorda com a tese, já levantada pela defesa de Bolsonaro, de que os réus têm o direito constitucional de ter a sentença julgada por outra instância. Se o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição não for observado, a defesa pode até pedir a nulidade de todo processo. É nesse sentido que ele vê a importância da divergência aberta pelo ministro Fux. Para ele, o conteúdo do voto permite recurso da defesa para levar o julgamento para o plenário do STF, onde votam os 11 ministros – na turma são cinco.
“Na minha opinião, esse julgamento estava equivocado por não garantir aos réus o duplo grau de jurisdição, que é uma garantia constitucional. No nosso direito, todas as pessoas que processam alguém ou que são processadas têm o direito de ver a decisão contra ela revista por um outro órgão ou outro tribunal. Esse julgamento, em particular, começou na última instância e, dessa forma, não há para quem recorrer, acima do STF”, apontou Barbosa.
“Não ter a garantia do duplo grau de jurisdição é muito perigoso, porque isso traz uma ofensa gravíssima a esse princípio constitucional. O Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, que é a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que garante esse duplo grau de jurisdição”, explicou.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também reconhece vantagem no voto divergente de Fux que, para ele, só reforça a importância do julgamento e a completa independência do STF. Kakay também estranhou a postura divergente do ministro. “O que causa espécie é somente o fato de a divergência não ter sido levantada nos diversos processos que já foram julgados”, apontou o advogado, acostumado a defesas no STF. “Ele ficará vencido em um julgamento que garantiu todo o direito de defesa, e é nesta divergência que reside a beleza do direito. A unanimidade nem sempre é a melhor solução”, apontou.