Mesmo expulso de campo, Bolsonaro continua no jogo
Plagiando o competente locutor esportivo Luiz Carlos Júnior, transferindo sua narração dos campos de futebol para a arena política, “vamos ter emoção até o fim”. Agora, literalmente fora das quatro linhas, mas ainda com influência nos bastidores, Jair Bolsonaro continuará presente nas disputas eleitorais antes, durante e até após o apito final. Caso alcance alguma vitória, vai comemorar. E, se perder, culpará a arbitragem, que não será impressa. Talvez apele à corte americana, ou peça orações ao Malafaia. Ou, quem sabe, invocará a ajuda sofisticada do filho exportado, para que interceda junto a Marco Rubio, ou ao próprio Trump, com quem se diz chegado a uns afagos e afetos.
Cadáver insepulto, Bolsonaro ainda vagará por algum tempo pelas ruas e becos desse país, travestido de um ilusório salvador da pátria, amaldiçoando instituições e espalhando pregações de ódio, como sempre fez com impecável competência. Um dia haverá que isso termine, mas há sinais de que não será tão breve. Com voz ativa dentro do seu partido, o PL, Bolsonaro trafega com desenvoltura, autoridade e absoluta convicção de que a todos os comandados sua voz é que prevalece, e sua liderança é ostentada com requintes que resvala na humilhação.
Mesmo já sentenciado pela mão punitiva do Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente, sabidamente, é o único líder da direita capaz de arregimentar algum pelotão de combate, com possibilidades de sucesso frente às pretensões de continuidade do governo atual. À luz da razão, ainda é cedo para que se tenha um quadro definitivo do que ainda está para acontecer, quando a pauta é a eleição de 2026. Os trâmites burocráticos após julgamento ainda mal começaram e quem, em outras circunstâncias, já vivenciou momentos similares sabe bem que nesse particular o inesperado com frequência marca surpresas.
O primeiro a se aproximar da área de conflito, e dela capturar informações de seu interesse, é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disfarçadamente ou na surdina, o primeiro e declarado postulante a se beneficiar do espólio do que todo esse desfecho do STF ocasionou, antes que algum outro aventureiro lance mão. Habilidoso, mesmo que sem muito traquejo, numa só investida ele vem a Brasília com tarefas pontuais anotadas no caderninho.
A primeira missão, ao que parece, é incrementar e dar força ao movimento que excita os congressistas de oposição, na esperança de que haja por parte dos presidentes da Câmara e do Senado apoio que permita uma anistia aos anunciados golpistas. Entre eles, claro, Jair Bolsonaro.
Em nome de seu partido, o Republicanos, evidentemente, Tarcísio de Freitas também ativa o botão que aciona o tema sucessão presidencial, que na verdade deve ser mesmo o que mais lhe interesse. Com 50 anos de idade, governando o mais importante estado da Federação e, até o momento, aceitando como certo o apoio de Bolsonaro a seu nome numa possível candidatura à presidência, Tarcísio se faz de modesto e finge não merecer tamanha regalia.
Finge postular de fato a reeleição ao governo paulista, e os bolsonaristas fingem acreditar. Sabem todos eles que o objetivo do governador é o Palácio do Planalto, e para que a largada rumo a essa meta aconteça, os ajustes começam a ganhar corpo. A disputa por esse podium, com aval do capitão, ganha contornos que nos arremete para capítulos que prometem cenas explícitas de combates a céu aberto. Na mesma esteira, visando o Planalto, estão Ratinho Júnior, governador do Paraná, do PSD, caçula da competição com 44 anos e, dizem os modernistas, com apetite de leão.
Romeu Zema, intrépido governador de Minas, do Partido Novo e com 60 anos nas costas, também se apresenta anunciando uma imensa mudança de medidas que salvariam a economia do país. Exibindo as conquistas do agronegócio alcançadas por Goiás, seu estado, Ronaldo Caiado, do União Brasil, já está em campanha mundo afora, acreditando piamente que aos 75 anos de idade ainda é um garoto, com energia pra dar e vender.
Todos eles, de calção e chuteiras prontos para o jogo, defendem a esperada anistia como primeiro ato que poderia trazer de volta o ambiente saudável da pacificação política do País. Anistia essa que, segundo o Datafolha das últimas horas, tem a reprovação de 54% da população brasileira, após consulta a um universo de mais de 2 mil pessoas, em 113 municípios em todo o Brasil.
Dos pesquisados, apenas 34% acham que uma anistia seria bem vinda. Talvez seja um bom sinal para que todos reflitam um pouco mais antes de insistir nessa jornada, a princípio sem a aprovação popular, e com certeza já condenada pelo Supremo Tribunal Federal. Emoções até o fim.
José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais
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