Na vice-presidência da CPI Mista do INSS, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) atua para evitar que os embates entre a oposição e o governo atrapalhem as investigações sobre os desvios dos benefícios de aposentados e pensionistas. “Acredito muito na força dessa comissão se a gente conseguir equilibrar esses interesses políticos, partidários e ideológicos”, disse o parlamentar ao PlatôBR Entrevista.
Para não se perder na briga política, Duarte defende que a CPI priorize audiências com servidores graduados do INSS que receberam altas quantias em suas contas. Testemunhas com esse perfil têm mais a contribuir do que personagens como Frei Chico, irmão do presidente Lula, ou Pietro Lorenzoni, filho do ex-ministro do governo Bolsonaro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), avalia o deputado. Embora não cite nomes, ele acredita que pode haver envolvimento de políticos nas irregularidades.
Duarte cumpre o primeiro mandato de deputado federal. Foi deputado estadual e presidente do Procon do Maranhão. Iniciou a carreira política a convite de Flávio Dino, na época governador do estado. Antes de entrar para o PSB, passou pelo PCdoB e pelo Republicanos.
O deputado também é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara. Nesse colegiado, a prioridade do parlamentar é o combate ao capacitismo. “Queremos transformar o capacitismo em crime hediondo, inafiançável e imprescritível”, afirma Duarte.
Desde quando a CPI do INSS foi criada, sabia-se que seria palco para a polarização política entre governo e oposição. Com quase um mês de trabalho, qual sua avaliação? Vocês estão conseguindo avançar além dessa disputa?
Eu busquei essa oportunidade de ser vice-presidente da CPMI (como a CPI Mista é chamada no jargão parlamentar) do INSS. As CPIs, todo mundo fala, se sabe como começa, mas não se sabe como termina. Essa já começou diferente, com uma mudança de quem estava previsto para ser o presidente. Saiu o candidato Omar Aziz (PSD-AM) e entrou o senador Carlos Viana (Podemos-MG). Houve mudança de relator [o nome acordado entre o governo e a cúpula do Congresso era o do deputado Ricardo Ayres, do PSD de Tocantins, mas a comissão elegeu Alfredo Gaspar, do União Brasil de Alagoas). É uma CPMI que se divide, em três grupos: um defende o governo do presidente Lula, outro é ligado à oposição, dedicado a defender o ex-presidente Bolsonaro, e um grupo menor, mas que desequilibra, que é dedicado a resolver o problema, focado no interesse público. Se tiver que prender alguém da esquerda, vai prender. Se tiver que prender alguém da direita, vai prender. É assim que eu acredito que tem que ser.
Para aqueles que foram lesados, que foram roubados, que foram prejudicados, idosos, pessoas em estado de vulnerabilidade, a gente tem que garantir a restituição do dinheiro delas e garantir uma mudança legislativa, garantir a segurança no serviço previdenciário do país e mostrar que ninguém sairá impune desse que, na minha opinião, é o maior escândalo de corrupção da história do Brasil.
A CPI foi instalada depois das revelações feitas pelas investigações da Polícia Federal, do Ministério Público e da CGU. Como a CPI pode avançar?
É preciso ter um trabalho conjunto dos órgãos de fiscalização e controle, da CPMI e da imprensa, que tem de ter acesso às informações. Geralmente as coisas que são erradas, as práticas de corrupção, não são feitas na transparência, elas são feitas na obscuridade, escondidas. Então, quando a gente dá luz aos fatos, a gente consegue garantir que a investigação tem começo, meio e fim. Veja que as investigações da Polícia Federal iniciaram no mês de janeiro deste ano. E a prisão mais importante só aconteceu depois que começamos a trabalhar na CPMI, que é a prisão do Antônio Antunes, conhecido como “Careca do INSS”. Um sujeito que tinha 22 empresas conectadas a ele, à esposa, e ao filho como sócio, empresas essas que prestavam serviços a essas associações [que faziam os descontos ilegais em aposentadorias e pensões]. Ele tinha forte influência dentro do governo, desde o governo Michel Temer, passando por todo governo do ex-presidente Bolsonaro e agora no governo do presidente Lula. É um sujeito que tem empresas que receberam recursos que foram transferidos das associações, que tiravam dinheiro dos aposentados. Não tem como dizer que ele não tem conexão com o crime. São empresas que receberam recursos de associações que tiveram os ACTs [Acordos de Cooperação Técnica, feitos entre o INSS e as associações para permitir os descontos nas folhas de pagamentos dos beneficiários] e tiveram autorização para descontar valores sem conhecimento dos aposentados. Ele foi preso, fugiu da oitiva da CPMI, teve uma decisão absurda do ministro Supremo André Mendonça, dando a ele a escolha de decidir se vai ou não falar na comissão.
Qual a consequência dessa decisão do ministro André Mendonça?
A consequência prática é que atrasa as investigações. Se ele tivesse ido, ele teria falado, ele teria talvez até delatado. Aquilo não passou só pela cabeça dele. Ele com certeza teve auxílio de personagens, servidores públicos, efetivos, concursados. E eu afirmo isso com base no próprio inquérito da Polícia Federal. Tem provas, transferências bancárias, basta seguir o dinheiro das contas dos aposentados, que foi para a conta das associações que tiveram as ACTs renovadas pelo INSS. A associação transferia recursos para as empresas do “Careca” e das empresas dele o dinheiro ia para a conta de servidores efetivos do INSS, que passaram em concurso público, servidor de carreira, e para conta de parentes de servidores concursados do INSS. É um problema que a gente tem que se unir para enfrentar.
Tudo isso começa quando Michel Temer, presidente, aprova no Congresso Nacional a reforma trabalhista, que proibiu o desconto sindical. Não tendo a contribuição sindical, as associações precisavam se capitalizar. Eles criaram uma alternativa, que foram os descontos associativos. E aí começa todo esse tráfico de influência. Há envolvimento de deputados, de senadores e envolvimento de agentes políticos. Envolvimento para colaborar com esse tráfico de influência. A partir do momento em que a gente vê a gravidade desse que é o maior roubo da história da democracia brasileira.
A oposição tem interesse em convocar o irmão do presidente Lula, conhecido por Frei Chico [José Ferreira da Silva, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos – Sindnap], sindicalista aposentado. A convocação deve acontecer?
Todo mundo tem que ser convocado, se tiver tempo. Quem não deve não tem o que temer.
Agora, a gente precisa elencar prioridades. Quem é o Frei Chico? Além de ser irmão do presidente Lula, Frei Chico é vice-presidente de uma dessas dezenas de associações. Se for pautada a convocação dele, eu votaria a favor. Mas a gente tem que ter uma ordem lógica das investigações.
Se for dar carga nessa divisão política, partidária e ideológica, a oposição vai querer convocar o irmão do presidente Lula e o governo vai querer convocar o filho do ex-ministro Onyx Lorenzoni [O advogado Pietro Lorenzoni, filho de Onyx, atuou para a Unibap (União Brasileira de Aposentados da Previdência), entidade acusada de participar dos desvios]. Assim como o vice-presidente da associação é o irmão do presidente Lula, o filho do Onyx Lorenzoni é advogado de uma dessas associações que recebeu dinheiro roubado dos aposentados e transferiu para a conta do escritório do filho do Onyx.
Será que isso é prioridade para agora ou isso vai ser algo muito mais utilizado como narrativa política da esquerda para atacar a direita ou da direita para atacar a esquerda? Então, antes de convocar o filho do Onyx ou o irmão do Lula, a gente tem que convocar esses servidores efetivos que têm Pix, transferência financeira para a conta deles.
O senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da comissão, disse que pretende levar ao STF uma proposta de delação premiada para algumas das testemunhas. Isso nunca foi feito antes. Como seria?
Nunca aconteceu, mas juridicamente é possível. A delação premiada [acontece] quando um sujeito que tem conhecimento sobre os fatos traz as informações que auxiliam a investigação para que a gente alcance o resultado, que é prender quem errou, que é punir quem errou.
Se a pessoa contribui e realiza a delação, pode haver uma redução, uma dedução, uma diminuição da pena, ele tem que ir à Polícia Federal, ao órgão jurisdicional, e dizer que quer contribuir para as investigações. E essas informações têm que ser aceitas. É importante que exista essa sintonia. O Supremo tem o seu protagonismo, a sua força, assim como a Polícia Federal, a CGU (Controladoria-Geral da União), a DPU (Defensoria Pública da União) ou a CPMI.
Dos próximos depoimentos, quais são os que julga mais importantes?
Com a ausência do “Careca”, nós não tivemos outra alternativa a não ser convocar a esposa [Tânia Carvalho dos Santos, que depois da entrevista foi autorizada pelo ministro Flávio Dino a não comparecer à CPI] e o filho [Romeu Carvalho Antunes]. Perguntam, se vamos chamá-los porque ele não veio, se é uma perseguição familiar. Eu sou pai de dois filhos. Amo minha família. É a coisa que mais me importa na vida. Eu jamais aceitaria entrar em algo que fosse para perseguir a família de alguém. Mas o maior pecador nessa história, quem expôs a sua própria família, foi o próprio Antônio Antunes, porque foi ele que colocou o filho dele, o Romeu, para ser sócio em três empresas que receberam milhões de reais de associações, que roubaram milhões de reais de aposentados por todo o Brasil.
Foi ele que colocou a esposa dele como uma personagem que recebeu e fez movimentações bancárias suspeitas pelo Coaf. Segundo investigações da Polícia Federal, ela comprou uma casa no Lago Sul, aqui em Brasília, no valor de R$ 3 milhões, à vista, em dinheiro vivo. Isso é, no mínimo, suspeito.
A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que o senhor preside, tem dois temas basicamente importantes, que são o capacitismo e a inclusão. Quais as perspectivas que vocês têm de avançar nesses assuntos?
Presidir essa comissão, para mim, é a realização de um sonho. Quando eu falo de Luca, meu filho mais velho, não tem como não me emocionar [Luca tem três anos e foi diagnosticado com trissomia do cromossomo 21]. É o amor da minha vida. No Procon eu já trabalhava nessa área, garantindo a matrícula das pessoas com deficiência. Poder presidir essa comissão e garantir que a educação seja inclusiva, que de fato garanta às pessoas com deficiência a oportunidade de ler e escrever e de se desenvolver.
Fazer com que a inclusão seja um direito garantido na prática, não só uma palavra bonita, é algo que me instiga, me movimenta, me inspira todos os dias. Como uma prioridade, nós temos o crime de capacitismo, previsto na Lei Brasileira de Inclusão, a Lei 13.146, de 2015.
Só que essa lei precisa ter uma pena mais forte.Tem que ter um rigor punitivo maior, como diz naquela obra tradicional no direito, do Cesare Beccaria, “Dos delitos e das Penas”, a pena tem que ter um caráter punitivo, coercitivo e pedagógico, para que a prática possa ser desestimulada. Então nós apresentamos propostas para transformar o crime de capacitismo em crime hediondo e em crime inafiançável, imprescritível. Essas propostas avançam na Câmara. Nós desejamos que pelo menos uma delas seja aprovada logo, para fins de educar e desestimular essa prática que tem se tornado corriqueira nas redes sociais, brincadeiras de mau gosto em razão da deficiência, se a pessoa tem nanismo, se não tem uma parte do corpo, se tem trissomia 21. Nós já vimos políticos falando isso e falando como se fosse engraçado, se não concorda você, “ah, parece que tem síndrome de down”. A gente tem que compartilhar essa reflexão.