Quando discursar nesta terça-feira, 23, na abertura da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viverá uma situação inédita: pela primeira vez em seus mandatos, ele terá um contraponto à política externa do Brasil em uma reunião da ONU: Donald Trump. O tarifaço e as sanções a autoridades brasileiras impostas pelo governo dos Estados Unidos trincaram as relações diplomáticas entre os dois países e repercutirão na cúpula multilateral desta semana.

No discurso que fará aos chefes de Estado, Lula vai emitir uma série de recados relacionados aos Estados Unidos, mas provavelmente sem citar Trump. Ele também contestará a aplicação de tarifas como forma de se estabelecer uma guerra comercial, prática que o governo dos Estados Unidos adota não apenas contra o Brasil. “Estamos falando de uma contraparte que não agride só o Brasil, agride todo mundo”, comentou um interlocutor assíduo do petista, referindo-se ao presidente americano.

Nesse tema, o presidente reforçará a defesa do multilateralismo, apontará a necessidade de reativação e reforma da OMC (Organização Mundial do Comércio) e de outras instituições internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU. Tratará de medidas de enfrentamento à mudanças climáticas e deverá falar sobre instrumentos de combate à fome no mundo. Denunciará as mortes em Gaza e defenderá a paz na Ucrânia.

Três pessoas estão com a incumbência de escrever o discurso e devem virar a noite fazendo as últimas alterações pedidas pelo presidente: o embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente, Audo Faleiro, adjunto de Amorim no Planalto, e o jornalista José Rezende, que adapta as ideias ao jeito de falar do petista.

Mudança nas relações
A relação tumultuada que Lula tem com Trump contrasta com o bom entendimento que ele teve com outros presidentes americanos. Apesar de diferenças ideológicas com o republicano George W. Bush, por exemplo, que governou o país de 2001 a 2009, eles tinham diálogo.

Quando o petista se elegeu pela primeira vez, em 2002, Bush o recebeu na Casa Branca, antes mesmo da posse no Palácio do Planalto. Bush retribuiu a visita. Em 2005, quando seguia para a Argentina para participar da Cúpula das Américas, o presidente dos Estados Unidos fez uma parada de 24 horas no Brasil, se reuniu e almoçou com Lula na Granja do Torto. Com Barack Obama, a relação era ainda mais amistosa, como ficou refletida no elogio feito pelo democrata durante a Cúpula do G20, em Pittsburgh, chamando-o de “o cara”. Da mesma forma ocorreu com Joe Biden. 

Retaliações
Enquanto Lula aguarda em Nova York a chegada da terça-feira, 23, para o tradicional discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, os Estados Unidos aumentaram a lista de sanções ao Brasil com a aplicação da Lei Magnitsky contra a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do Alexandre de Moraes, do STF, relator da ação que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) por tentativa de golpe de Estado. O Ministério de Relações Exteriores reagiu “com profunda indignação” à medida do governo americano.

“Em nova tentativa de ingerência indevida em assuntos internos brasileiros, o governo norte-americano tentou justificar com inverdades a adoção da medida”, apontou o governo brasileiro, que recebeu a notícia como uma “ofensa aos 201 anos de amizade entre os dois países”.

O Itamaraty ainda indicou que a punição “representa também a politização e o desvirtuamento na aplicação da lei” e citou a manifestação recente do deputado James McGovern, um dos autores da Magnitsky, que definiu como “vergonhoso” o recurso à legislação pela Administração Trump. “Esse novo ataque à soberania brasileira não logrará seu objetivo de beneficiar aqueles que lideraram a tentativa frustrada de golpe de Estado, alguns dos quais já foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal. O Brasil não se curvará a mais essa agressão”, diz a nota do Itamaraty.