O ministro Edson Fachin assume o comando do Supremo Tribunal Federal em momento ímpar da história da corte, sem “receio de olhar o sol de frente” – palavras dele. O golpe de Estado frustrado, as interferências tentadas, por parlamentares e pelo governo americano de Donald Trump, e a condenação de Jair Bolsonaro, o primeiro presidente militar sentenciado por crimes contra a democracia, conferem à missão do novo presidente do STF contornos históricos inéditos.
Aos 67 anos, Fachin recebe o cargo de presidente do STF do ministro Luís Roberto Barroso nesta segunda-feira, 29, em solenidade que terá a presença do presidente Lula e dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), entre outras autoridades.
A “palavra às vezes seca, mas não sectária” – como ele diz – pode esconder o verdadeiro Fachin, eloquente defensor “da democracia e das instituições republicanas”. Em 2015 aceitou a “missão constitucional” de integrar a corte máxima do Judiciário brasileiro e avisou que evitaria entrevistas e manifestações públicas – e cumpriu. Foram mais de 74 mil decisões e raras entrevistas.
O PlatôBR reuniu nesta reportagem falas públicas e expressões usadas por ele em manifestações, palestras e pronunciamentos oficiais, dentro e fora da corte, que orbitam a crise institucional e que traduzem o que pensa o novo presidente do Supremo. Entre os temas tratados, destacam-se o enfrentamento político entre direita radical e esquerda, a judicialização e o “protagonismo judicial”, a interferência entre poderes, críticas, questionamentos e investidas de políticos sobre o STF e suas decisões, que deixaram arranhada a imagem da corte e do Judiciário.
Pandemia populista
Acadêmico de carreira e estudioso do Direito, Fachin tem visão crítica do quadro conflituoso social do Brasil e do mundo. Em palestra no último mês, em São Paulo, citou o risco mundial do “autoritarismo”. “Creio que esta nova pandemia de um autoritarismo populista global poderá, obviamente, vitimar alguns outros órgãos ou tribunais”, afirmou. Diante de uma platéia seleta de pensadores, na sede do Instituto FHC, ele citou a Colômbia como um país que enfrentou o problema, como o Brasil: “Eu espero que todos, juntos inclusive, saibam resistir adequadamente a esse tipo de circunstâncias.”
A condenação de Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão não encerrou os processos da trama golpista no Supremo. Os julgamentos dos três outros “núcleos” de comando da tentativa de golpe de Estado serão realizados até o final do ano. A maioria dos réus é formada por militares. A fase de recursos para as defesas dos condenados do “núcleo 1” também deve ser aberta em outubro, promessa de que o clima tenso e conflituoso permaneça pelo menos nos primeiros meses do mandato do novo presidente do Supremo.
Defensor da “pacificação”, Fachin deve responder a eventuais excessos em ataques ao Supremo. Usa o lema ”jamais ceder a uma agressão à Constituição”. Em mais de um evento, explicou que dar respostas aos radicais e enfrentar o avanço do autoritarismo é essencial “para evidenciar que há uma distinção muito clara entre a divergência e as posições que querem aniquilar” o outro. “Isso não se admite”, diz. Apesar do estilo de “poucas palavras”, o ministro tem enfrentado os focos de tensão concentrados no Supremo nos últimos anos e defende que “não se pode ter tolerância com os intolerantes”.
“Supremocracia”
Para Fachin , os conflitos, a “ascensão do Supremo Tribunal Federal” e seu “protagonismo institucional que hoje conhecemos” decorrem de um processo histórico de aumento do número de interpelações judiciais à corte e da “chegada de outra geração de juristas”.
O “encontro entre uma visão ambiciosa da Constituição e a competência superlativa do Supremo” alimentam a narrativa da “supremocracia” que faz a corte ser duramente questionada. Segundo Fachin, a “ascensão do populismo autoritário transformou as cortes constitucionais em vilãs”, não só no Brasil.
Um dos ministros que teve o visto americano cassado, Fachin chegou a citar, indiretamente, as sanções impostas pelo governo Donald Trump: “Não vamos nos assombrar com esses ventos que estão soprando, vindo do norte, por mais fortes que sejam”.
Divergentes e sem interferências
Conhecido por apostar no “poder do diálogo” para por fim às controvérsias – traço de personalidade que destaca ao se apresentar -, Fachin defende as “divergências”, mas critica o enfrentamento. “Divergência não é discórdia institucional”, repetiu em mais de uma manifestação.
O novo presidente do tribunal tem criticado a punição de juízes por decisões tomadas em processos. “É um péssimo exemplo de interferência indevida e ainda mais quando isso advém de um país estrangeiro em relação a outro país soberano”, afirma. Em sua opinião, a aplicação de sanções aos magistrados em decorrência de seu ofício representa afronta à cláusula pétrea da Constituição: “Algo que, no meu modo de ver, representa uma ofensa aos princípios mais comezinhos da independência e da autonomia judicial”.
O ministro, neste ponto, fez referência indireta às investidas dos Estados Unidos e de apoiadores de Bolsonaro contra o julgamento dos réus da trama golpista, mas também às medidas do Judiciário brasileiro contra juízes, em especial, após a Operação Lava Jato. Relator no STF dos processos do escândalo da Petrobrás desde 2017, ele decidiu não levar o caso com ele para a presidência.
Acadêmico e de origem modesta
“Sou um sobrevivente”, declarou na histórica sabatina do Congresso para aprovação de sua nomeação pela então presidente, Dilma Rousseff. “Me orgulho de ter vendido laranjas na carroça de meu avô pelas ruas, de ter começado como pacoteiro de uma loja de tecidos, ter vendido passagens em uma estação rodoviária. Tive desafios muito cedo”, conta.
Em 2015, ano que chegou em Brasília e entrou para o Supremo, completava 37 anos de casado com a desembargadora Rosana Fachin, com quem tem duas filhas. Brasileiro “com orgulho”, nascido em Rondinha, no Rio Grande do Sul, se fez paranaense. Professor e estudioso do Direito Civil, Fachin viveu no Canadá, na Espanha, Inglaterra e na Alemanha nessa trilha acadêmica. Fala fluente outros quatro idiomas: inglês, italiano, francês e espanhol.
Posse
Fachin assume o comando do Supremo a poucos dias do aniversário de 37 anos da Constituição de 1988. A posse marca “momento sem igual” na vida do ministro. Como primeiro grande caso a ser julgado no plenário, sob sua presidência, ele escolheu o processo da “uberização” – que vai definir as regras para vínculos de motoristas do aplicativo no Brasil.
O novo presidente do STF costuma repetir que o cargo é uma “missão” para servir à Constituição: “Com ela, detivemos processos de erosão dos valores democráticos”. Ele também diz que vai tentar tirar a corte do epicentro da crise e dar destaque às medidas “colegiadas”.
O ministro sabe a dimensão dos problemas que o esperam e usa uma antiga fábula para explicar a necessidade de defesa constante da Constituição. Segundo ele, assim como uma casa velha, as paredes da Suprema Corte precisam de reforços constantes “contra os ventos da intolerância”, e as janelas “devem se abrir sempre para deixar entrar a luz de uma sociedade em transformação”.
Intelectual boa praça, ele diz ser um acadêmico, estudioso do Direito e advogado, que no momento está em outra função. Seu trabalho, diz, é reconhecido pelo barbeiro que o atende há quarenta anos. “Um dia desses, ele me disse ‘mas que empreguinho difícil você foi arrumar'”, brincou Fachin em uma palestra, ao citar o “filósofo Osvaldo barbeiro”.