O devedor contumaz e a blindagem do crime na economia formal
Proposta já passou pelo Senado e agora repousa na Câmara dos Deputados, em uma inércia que já não pode mais ser justificada. Enquanto, isso a sonegação segue servindo de instrumento para o crime organizado


Se a missão do Congresso Nacional é legislar para o bem-estar da sociedade e para a segurança do país, a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022 se tornou uma prova de fogo. O texto, que diferencia o devedor ocasional do devedor contumaz, já passou pelo Senado e agora está parado na Câmara dos Deputados, em uma inércia que já não pode mais ser justificada. O momento exige pressa, e os bastidores de Brasília sabem por quê: a sonegação fiscal, antes vista apenas como uma fraude tributária, se consolidou como uma arma nas mãos do crime organizado.
A recente interdição de uma refinaria no Rio de Janeiro pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), somada a outras operações da Polícia Federal, da Receita Federal e do Ministério Público de São Paulo, que desmantelaram esquemas de lavagem de dinheiro e infiltração de facções criminosas na cadeia de combustíveis, deixaram claro o que há muito se suspeitava: o crime prospera onde a ilegalidade é naturalizada. E o devedor contumaz, que usa a sonegação e/ou inadimplência como modelo de negócio para obter uma vantagem competitiva desleal, é o agente perfeito para essa simbiose. Sonegar como estratégia é, no fim das contas, roubar o cidadão, tirando recursos que deveriam ser investidos em serviços públicos essenciais. E como as investigações têm mostrado, esse combustível fora da lei abastece o crime.
A aprovação do PLP 125/2022 não é uma aventura legislativa, nem uma proposta de última hora. É um tema maduro, debatido exaustivamente e que tem o apoio de instituições de peso na República. A própria Receita Federal, o Ministério Público e a Polícia Federal, que estão na linha de frente do combate ao crime organizado e conhecem de perto a gravidade do problema, já se manifestaram a favor. Também estão ao lado da medida as secretarias de Fazenda estaduais, que veem seus orçamentos diretamente impactados pela sonegação e inadimplência que já chega a dezenas de bilhões de reais por ano no setor de combustíveis.
O projeto não se destina a perseguir empresários, mas a punir aqueles que transformam a ilegalidade em lucro. A sua aprovação seria um sinal inequívoco de que o crime organizado não terá mais espaço para se disfarçar de empresa e operar na economia formal brasileira. Há, ainda, outras pautas relevantes que tramitam no Legislativo, como a monofasia da nafta, um tema que, assim como o devedor contumaz, é crucial para combater a fraude e modernizar o setor. A pauta é vasta, mas é fundamental que a Câmara comece com o que já está na mesa, amadurecido e pronto para ser votado.
Ou o Brasil acaba com o crime, ou o crime acaba com o Brasil.