Não poderia ser melhor para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vitória na Câmara, por unanimidade, da proposta que, entre outros pontos, isenta do pagamento de Imposto de Renda as pessoas que ganham até R$ 5 mil. Lula lançou o projeto quando ainda amargava a busca, sem sucesso, por uma marca de seu terceiro mandato, a ser explorada em 2026, quando deve tentar se reeleger.

Mas, ao entregar a unanimidade ao Planalto, a Câmara também tentou puxar para si os louros da proposta de Lula. O presidente da casa, Hugo Motta (Republicanos-PPB), apesar de toda demora em levar a proposta à votação, colocando na frente matérias que lhe causaram forte desgaste, como a anistia e a “PEC da Blindagem“, disse que a votação do IR sempre foi uma prioridade.

Motta falou em “parceria” do governo com o Congresso, deixando explícito que o presidente topou dividir o protagonismo. “É uma matéria de grande interesse do presidente Lula, que teve essa plataforma lançada ainda na eleição, em 2022, e que agora, em parceria com o Congresso, principalmente com a Câmara dos Deputados, nós tivemos a condição de poder construir o texto mais justo possível”, disse Motta.

Ao lado de Motta, o relator, Arthur Lira (PP-AL), indicou o fato de a proposta ter sido gestada pelo Executivo, mas apontou o trabalho do Legislativo de evitar descompasso entre despesas e receitas. “Tudo foi muito conversado”, disse o relator. Lira conseguiu os votos mesmo rejeitando cerca de cem pedidos de mudanças no texto e manteve a compensação dentro dos termos combinados com o governo.

Com o resultado inesperado, o relator deu uma resposta ao Planalto, aos seus adversários políticos em Alagoas e às ruas que, na semana passada, protestavam contra a prioridade dada às pautas de interesses mais corporativos.

Momento favorável
A aprovação do projeto acontece em momento favorável a Lula. Com a popularidade em alta, o presidente atinge o objetivo traçado em relação ao IR enquanto a oposição sofre os efeitos de orbitar em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), condenado a mais de 27 anos de prisão por tentativa de golpe de estado. As manifestações do domingo, 21 de setembro, tiveram como principais bandeiras a derrubada da “PEC da Blindagem” e do projeto de anistia dos culpados pela trama golpista, principais propostas dos adversários do governo no Congresso nos últimos meses.

Enfraquecida diante da opinião pública, a oposição não teve como votar contra a proposta que vem com o selo de Lula, o que produziu cenas inusitadas, como a da bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC) orientando o voto “sim” da minoria e, ao mesmo tempo, indicando que apresentou um projeto para acabar com o Imposto de Renda no Brasil.

Discurso semelhante teve o deputado Evair de Mello (PP-ES). Ele disse que era mesmo preciso o governo “calçar as sandálias da humildade” para fazer um “bom diálogo com a oposição”. Ao mesmo tempo que orientou o voto sim, o deputado apontou que o dinheiro dos impostos “tem que estar no bolso do trabalhador e do produtor, não nos cofres” do governo. “Senão, como todos já conhecem a índole do PT, ele vai roubar esse dinheiro”, disse o parlamentar. 

Tom de campanha
Assim que a votação terminou, Lula agradeceu o trabalho de Lira e de Motta, apontando o tom que pretende usar na campanha. “Uma vitória em favor da justiça tributária e do combate à desigualdade no Brasil, em benefício de 15 milhões de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros”, postou o presidente em rede social, assim que saiu o resultado.

“A Câmara dos Deputados deu hoje um passo histórico na construção de um Brasil mais justo ao aprovar projeto encaminhado pelo nosso governo de zerar o Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil por mês e reduzir a cobrança de quem recebe até R$ 7.350, a partir de uma contribuição mínima dos muito ricos. Essa é uma vitória compartilhada pelo governo do Brasil, as deputadas e deputados e pelos movimentos sociais. Agradeço o presidente Hugo Motta, o relator Arthur Lira e cada um dos líderes que conduziram o processo de aprovação do projeto. Tenho certeza de que a proposta também contará com amplo apoio no Senado”, postou Lula.

Ao relatar e conduzir as negociações, o deputado Arthur Lira (PP-AL) entregou ao governo uma unanimidade rara e uma composição inédita: além dos esperados votos do governo, o Centrão e a oposição votaram a favor do texto que manteve a estrutura desejada pelo Planalto, com alterações pontuais que não interferem no conteúdo principal da proposta.

A ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) acompanhou a votação dentro do plenário da Câmara e, em alguns momentos, agradeceu o esforço feito pelo relator para que a proposta fosse aprovada da forma mais íntegra possível. O placar de 493 votos a favor do projeto elencado como prioritário para o Planalto mostrou que Lira ainda tem uma ascendência forte sobre os parlamentares.