Durante a Primeira República (1889 a 1930), o coronelismo e as oligarquias agrárias, dos barões da política do café com leite, controlavam o Estado com fraudes nos processos representativos de poder, como eleições, escolha de governantes e de postos chaves nas estruturas de governo. O “voto de cabresto” era a prática comum desse período “clientelista”, que permitia aos coronéis e aos donos de terra manipular os votos e as políticas públicas.

A prática consistia na coação, até violenta, dos trabalhadores rurais para seguirem as orientações políticas dos endinheirados. Esses mecanismos de perpetuação do poder existiam desde o Império, mas se tornaram padrão a partir da Constituição de 1891. 

Passados 134 anos, pode até parecer estranho e absurdo dizer que ainda existe voto de cabresto no Brasil. Mas existe. Essa é uma realidade cada vez mais presente nos tribunais, em uma configuração distinta e adaptada aos novos tempos e regras, de poder e de trabalho. Em abril, a Oitava Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou por unanimidade um “centro de coaching” de Vitória, a capital capixaba, por “assédio eleitoral” – o novo nome do voto de cabresto.

Às vésperas do segundo turno das eleições de 2022, uma vendedora foi demitida por não revelar sua posição política. Na Justiça, ela afirmou ter sofrido “intensa pressão psicológica” para apoiar a reeleição de Jair Bolsonaro e contou sobre a rotina de reuniões obrigatórias em que uma gestora pregava preceitos religiosos e ideológicos. Sua defesa reuniu depoimentos de testemunhas, gravações de áudios e mensagens de aplicativos de celular para comprovar a prática de “assédio eleitoral” e “coação”.

Essa prática de coação de alguém com poder sobre uma pessoa subordinada une o voto de cabresto da Primeira República, também conhecida como República Velha, aos tempos atuais, sob os preceitos da Constituição de 1988, batizada de “Constituição Cidadã” pelo deputado Ulysses Guimarães. No caso em julgamento, a empresa negou o procedimento irregular e alegou direito à liberdade de expressão. O TST fixou a indenização em R$ 8 mil.

O assédio eleitoral no trabalho, com contratados pressionados por patrões para votar conforme sua orientação, é um dos problemas que levaram os recém empossados presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, os ministros Edson Fachin e Vieira de Mello Filho, a unirem forças com a presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, no enfrentamento aos crimes contra a democracia.

Na expressão de Fachin, o país vai viver “tempos ásperos” nas eleições presidenciais de 2026. Com Lula presidente e Jair Bolsonaro condenado e preso – em regime domiciliar ou fechado -, a primeira disputa nas urnas depois da tentativa de golpe de Estado e o clima de enfrentamento entre governistas e oposicionistas tende a repetir o clima de acirramento da disputa de 2022.

Assédio eleitoral
Novo presidente do TST, o ministro Vieira de Mello Filho anunciou logo ao chegar uma “atenção especial” para o problema do assédio no ambiente de trabalho. No discurso da posse, no dia 25 de setembro, ele classificou como “uma chaga que ameaça retornar à nossa história política, agora com diferentes facetas”.

O voto de cabresto moderno começou a ser observado com mais atenção em 2022, com maior incidência como tentativa de beneficiar candidatos do campo da direita, conta um magistrado que atuou nesse período no TSE. Em outubro de 2024, os tribunais trabalhistas e eleitorais e o Ministério Público do Trabalho fecharam uma parceria para ser implementada em 2026 para coibir esse tipo de ilegalidade.

O pacto busca garantir o “direito fundamental da cidadania, o voto secreto e consciente”, segundo Mello Filho. “Nas nossas confiáveis, auditáveis e inquestionáveis urnas eletrônicas”, completou. Na última semana, equipes técnicas dos tribunais se reuniram para definir metas para essa iniciativa. 

Robôs da desinformação
No profícuo universo da internet, fake news difundidas em vídeos feitos com ajuda de programas de inteligência artificial dão vida a réplicas humanas, com voz e aparência física idênticas às dos originais. Com a evolução tecnológica, o combate ao uso da IA para a disseminação de mentiras e desinformação se tornou um desafio para a Justiça. Fachin elegeu a “proliferação de vídeos falsificados por meio de inteligência artificial” como prioridade no horizonte eleitoral e político de 2026.

A “desinformação” gerada por robôs corrompe o “processo democrático”, entende o novo presidente do STF. A preocupação dele e de outras autoridades cresceu a partir de 2022, ano da eleição de Lula, da derrota não aceita de Jair Bolsonaro e da tentativa de golpe de Estado. No cargo de presidente do TSE, o ministro e sua equipe sentiram o aumento do uso de novas tecnologias nas práticas ilegais.

Puxados pelo compasso de Fachin, os chefes dos tribunais superiores uniram forças e adotaram uma rotina de encontros regulares e coletivos nas duas primeiras semanas de trabalho dessa composição – que inclui, além do TSE e TST, o ministro Herman Benjamin, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), a ministra Maria Elizabeth Rocha, do STM (Superior Tribunal Militar) e o  ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça.

Os presidentes do STF, do TST e do TSE traçam com suas equipes técnicas os planos em diferentes frentes de combate para evitar retrocessos político e institucionais. Nas reuniões, discutem e acertam formas de atuação coordenada. O trabalho “colegiado” e “engajado” é essencial para a “empreitada dura” que vem pela frente, orientou Fachin.