A agenda de Fachin para o STF
Já se sabe que o Supremo tem competências superlativas, julgando recursos, ações originárias, como as penais, e ações de controle de constitucionalidade. É de se esperar, assim, que tenha uma miríade de temas e assuntos a serem julgados. E, salvo alguns filtros recursais, o tribunal não pode escolher o que vai julgar; deverá julgar todos os temas.
Diante de um enorme universo de casos e de um dever de julgar todos eles, a questão passa a ser o que será julgado e quando, representados em uma pauta de julgamentos. Antes, o presidente do Supremo Tribunal Federal definia o que seria julgado pelo plenário, um enorme poder na definição da pauta e da agenda de julgamentos. Com a criação e ampliação do plenário virtual, esse poder foi compartilhado com relatores, que definem a pauta de julgamento nesse novo espaço.
Os números mostram que o poder do presidente para definir a pauta de julgamentos do plenário se tornou residual. Hoje, mais de 99% dos julgamentos do plenário são realizados em modo virtual, assíncrono.
Esse dado não afasta a necessidade de compreender quais casos são julgados no plenário físico ou no virtual e, principalmente, por qual razão. A pauta de julgamentos do plenário físico, aquele cujos julgamentos são transmitidos pela TV Justiça, pode indicar qual é a agenda do presidente do Supremo Tribunal Federal.
Alguns Presidentes iniciam sua gestão antecipando quais serão suas prioridades: recursos com repercussão geral, para impactar milhares de casos no país, ações de inconstitucionalidade, ações penais. Analisando a pauta de julgamentos da primeira semana da presidência do ministro Edson Fachin, percebe-se uma agenda grandiosa.
Para começar, Fachin pautou um dos casos mais relevantes do país, sobre a possível relação de trabalho estabelecida entre trabalhadores de aplicativos e as plataformas como Uber, IFood, Rappi. O tema tem sido chamado de “uberização”, como um fenômeno de transformação das relações de trabalho que afeta a vida de milhões de pessoas, envolvendo trabalhadores e suas famílias. Reconhecendo a relação de trabalho, abre-se um sistema de proteção a esses trabalhadores; negando-a, ficam à própria sorte.
Além dele, outros casos de enorme impacto estão na pauta, como a construção do Ferrogrão (ferrovia ligando Pará/PA ao Mato Grosso/MT), com a consequente diminuição do Parque Nacional do Jamanxim. Na pauta, retrocesso ambiental, impacto climático e papel do Judiciário na mediação do conflito entre um modelo ultrapassado de desenvolvimento econômico e a preservação do futuro. Não bastasse, a pauta também incluiu a aplicação do Estatuto do Idoso a planos de saúde e reajustes que, muitas vezes abusivos, desprotegem segurados no momento da vida de maior vulnerabilidade e necessidade.
Em comum, os casos possuem o enorme impacto social e econômico. Se esta agenda mostra a disposição do ministro Edson Fachin em enfrentar temas que são caros a grupos vulneráveis e podem confrontar grandes setores econômicos, o deslinde desses casos mostrará se o ministro teve a capacidade de antever o resultado do julgamento, de modo a compor a maioria.
Presidentes costumam pautar casos que, de alguma forma, imaginam que vão marcar sua gestão. É esperado, assim, que procurem pautar casos nos quais acreditam que o deslinde será favorável às suas teses. É um dos maiores poderes monocráticos do tribunal e tem sido usado de forma estratégica reiteradamente pelas presidências anteriores.
Como dito, na formação da pauta de julgamento, importa saber o quê será julgado e quando. Se os casos revelam uma agenda audaciosa, é preciso agora saber se o momento foi adequado ou se o julgamento trará derrotas a Fachin e, em alguns desses casos, a todos nós.
Eloísa Machado é coordenadora do projeto Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
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