Vencedor do Prêmio Jabuti em 2022 na categoria Crônica, com “A Lua na caixa d’água”, e autor de “O último dia da infância”, indicado neste ano, Marcelo Moutinho tem feito críticas ao prêmio. O escritor publicou um artigo na Folha de S.Paulo em 10 de outubro sobre o esvaziamento técnico e a centralização das decisões no Jabuti. O texto abordou a falta de preparo dos jurados e a repetição de nomes em diferentes categorias.

Em entrevista ao Matinal, do canal Amado Mundo, o autor explicou que uma mudança em 2023 reduziu a diversidade de olhares no processo de avaliação e resultou na seleção de jurados sem experiência nas áreas que analisam. Moutinho disse haver um “pacto de silêncio” que impede o setor de debater abertamente o assunto. Ele relatou que muitos escritores temem se indispor com a Câmara Brasileira do Livro, responsável pelo Jabuti.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista. Assista à íntegra em vídeo ao final do texto.

O que mudou no Jabuti desde a sua vitória em 2022?
Em 2023, com a mudança da curadoria principal, foi extinto um conselho curador que auxiliava na montagem dos júris. O conselho trazia variedade de olhares e opiniões. Com a extinção, a seleção dos jurados de todas as categorias ficou na mão de uma pessoa só. Perdeu-se o olhar múltiplo. Hoje, falta preocupação com a qualificação técnica e variedade no júri. A categoria Crônicas, por exemplo, teve uma colunista de política, uma editora de revista de ensaios e um ex-diretor de “O Antagonista”. Nenhum deles tem ligação com a crônica. Isso se repete em várias categorias. Desde 2023, os mesmos jurados se repetem, variando apenas a categoria. O maior prêmio literário do Brasil deveria exigir preparo técnico. Se você julga romance num ano, poesia no outro e biografia no seguinte, é o quê? Um especialista de generalidades?

Qual é a opinião geral no meio literário e por que mais autores não estão se colocando em relação a isso?
A minha percepção é que, nos grupos de WhatsApp e nas mensagens privadas, o assunto sempre foi comentado, desde que começou, em 2023. As pessoas têm medo de se expor com a Câmara Brasileira do Livro ou de serem prejudicadas futuramente. Por isso, foi importante quebrar esse pacto de silêncio, ainda que eu venha a sofrer as consequências. Muita gente me disse: “Não faça isso, você vai lançar livro ano que vem”. Mas a gente vai esperar até quando? Estamos falando do principal prêmio literário do país. Como não vai haver preparo técnico para avaliar as obras? O pior quadro possível é não falar sobre o assunto e esse cenário continuar.

E os comentários do tipo “esse cara está falando isso só porque não foi finalista”?
Venci o Prêmio Clarice Lispector, da Biblioteca Nacional, em 2017, e depois o Jabuti, em 2022. Tenho 12 livros. Mais perdi do que ganhei — e isso é natural. A gente não escreve um livro com garantia de prêmio. O que quero, e imagino que meus colegas também, é que os livros sejam avaliados por gente que conheça a matéria. Isso é o mínimo a ser exigido. A minha crítica é ao modelo, não a fulano ou sicrano. O apoio recebido foi muito grande da comunidade do livro, sobretudo de quem faz.

Qual é a saída para essa situação de hoje?
Acho que o primeiro caminho seria retomar um conselho curador, porque isso já daria à escolha dos júris uma multiplicidade desejada. O segundo é mudar as premissas: só pode avaliar conto quem conheça o gênero conto, só pode avaliar capa quem seja artista visual, designer ou estudioso do assunto. O meu artigo trouxe à tona uma informação que muita gente não conhecia, inclusive do meio, porque poucos têm o cuidado de olhar quem são os jurados de cada categoria.

O Luiz Antônio Simas fez uma crítica à divisão entre “romance de entretenimento” e “romance literário”, uma polêmica. O que você acha dessa dupla categoria?
A gente tem várias categorias com problemas hoje. A própria categoria Crônica virou uma espécie de armazenamento de secos e molhados. Por falta de conhecimento técnico dos jurados, muitos livros que não são de crônica têm virado finalistas. Já o romance de entretenimento contra o romance literário também não é a situação ideal, mas eu entendo essa separação, porque muitas vezes o romance de mero entretenimento, ainda que bem escrito, fica em desvantagem ao concorrer com o literário, cujas premissas de avaliação são outras. Entendo também que o mercado demande isso e que a CBL, bem ou mal, é ligada às editoras.