Lula não fazia ideia de quem era Jorge Messias quando a então presidente Dilma Rousseff o avisou que uma pessoa de confiança levaria o documento de sua nomeação para a Casa Civil. O ano era em 2016. O momento era de tensão para o governo, com o avanço da Lava Jato e do processo de impeachment contra Dilma no Congresso. Ao enfatizar que “Bessias” levaria o papel, Dilma acabou, involuntariamente, levando um personagem dos bastidores do poder, até então desconhecido do público, para o noticiário político. Captado pela Polícia Federal, o diálogo foi tornado público logo depois por decisão do então juiz Sergio Moro.

De lá para cá, o prestígio de Messias aumentou entre os petistas de alto escalão até sua nomeação, no início do atual mandato de Lula, para a AGU (Advocacia-Geral da União). Anunciado por Lula nesta quinta-feira, 20, para a vaga deixada por Luís Roberto Barroso no STF, Messias construiu uma trajetória de lealdade com o PT pelos trabalhos em postos estratégicos no partido e nos governos, embora nunca tenha sido filiado à legenda. Com 45 anos de idade, ele fez carreira na burocracia do serviço público federal, como funcionário concursado da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional desde 2007.

Messias foi cedido para exercer outras funções na máquina federal e nas lideranças do PT na Câmara e no Senado. Também atuou no gabinete do senador Jaques Wagner (PT-BA), dando apoio jurídico e traçando estratégias políticas nos embates do Congresso. Foi secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação e consultor jurídico do Ministério de Tecnologia e Inovação – nos dois casos, por nomeação de Aloizio Mercadante, que chefiou as duas pastas nos mandatos de Dilma.

Quando ficou conhecido pelo diálogo interceptado pela PF, “Bessias” era subchefe de Assuntos Jurídicos da Presidência. No Palácio do Planalto, foi também foi subchefe de Análise Governamental da Casa Civil. Nasceu em Recife, filho de um bancário e de uma dona de casa. Aos três anos, o pai foi promovido para a gerência de uma agência de um banco privado em Teresina. Messias passou a infância e adolescência na capital piauiense. Estudou em um colégio particular da classe média alta da cidade. 

Na adolescência, viajou com a mãe para Recife e, ao passar em frente à Faculdade de Direito da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), disse que gostaria de estudar na instituição. Com 17 anos, foi morar na cidade com duas irmãs mais velhas que cursavam medicina. 

Fez estágio jurídico na Caixa Econômica Federal e, aos 19 anos, passou no concurso da estatal. Pouco tempo depois, foi convidado para assumir cargos jurídicos em órgãos do estado de Pernambuco, primeiros contatos com o serviço público.

Em 2004, um fato marcou sua vida. Seu pai teve um infarto, mas não morreu. O susto fez com que Messias buscasse não mais trabalhar em bancos. Achava que o estresse sofrido pelo pai como gerente da agência era responsável pelo infarto. Ele então buscou seguir pela área jurídica e começou a estudar para concursos. Foi analista do Tribunal Regional do Piauí, e trabalhou no Tribunal de Contas do Estado até passar em concurso para  procurador federal do Banco Central, em 2005. Depois, se tornou procurador da Fazenda Nacional, onde ingressou no movimento associativo das carreiras.

Na campanha
Foi na campanha presidencial de 2022, quando integrou o núcleo jurídico do comitê petista, que Jorge Messias caiu nas graças de Lula. Causou boa impressão ao então candidato, sobretudo na transição de governo. Assim, pavimentou sua nomeação para a AGU, defendida por integrantes do partido. O momento era de turbulência, com pressões do governo que se encerrava e que culminaram com os ataques do 8 de Janeiro.

Na AGU, Messias se firmou, na visão de auxiliares do Planalto, como um dos advogados mais eficientes que já passaram pelas administrações do PT. Sua atuação no órgão foi considerada fundamental, por exemplo, na definição da postura do governo junto ao STF em relação aos desdobramentos jurídicos da trama golpista. “Ele foi proeminente, proativo e sempre muito afável”, diz um petista.

Como titular da AGU, ele se aproximou do Supremo. Também cumpriu o papel de representar o Poder Executivo nos eventos solenes do mundo jurídico. Coube ainda a Messias cuidar da contratação de um escritório de advocacia nos Estados Unidos para defender o ministro Alexandre de Moraes das ações movidas contra ele por empresas de Donald Trump.

Messias também foi elogiado no Planalto pela linha de ação adotada no escândalo do INSS. Ele ajudou a criar a ideia de que o atual governo deu início à investigação, apontou a necessidade de bloquear bens das entidades e pessoas investigadas e ajudou na montagem da estratégia para reparar os danos causados a aposentados e pensionistas.

Com essa trajetória, Messias se credenciou junto a Lula para a indicação ao Supremo. O presidente o escolheu, fundamentalmente, por três motivos: para cumprir um compromisso de gratidão pessoal pelos serviços prestados, pela identificação com as causas do governo no STF e, ainda, por uma questão político-religiosa, já que ele é evangélico e sua indicação para a corte abre uma frente de aproximação de Lula junto às igrejas. Messias é diácono da Igreja Batista de Brasília.

Gesto aos evangélicos
Com esse perfil do escolhido, o petista espera conquistar parte do segmento evangélico para a campanha presidencial de 2026. Nas duas últimas disputas pelo Planalto, os evangélicos majoritariamente se aliaram a Jair Bolsonaro. No Congresso, as bancadas ligadas às igrejas reforçam a oposição a Lula. 

No último dia 16 de outubro, o advogado-geral da União levou ao presidente um grupo de religiosos da cúpula da Assembleia de Deus de Madureira. No encontro, eles disseram que a escolha de Messias representaria um sinal claro de que Lula “não tem nada contra os evangélicos”.

A confiança do Planalto e a religião tornaram Messias favorito desde a confirmação da saída de Barroso. Com essas características, principalmente, ele venceu a corrida ao Supremo contra concorrentes de peso. Estavam no páreo o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Bruno Dantas, o desembargador do TRF-4 Rogério Favretto e o ministro-chefe da CGU (Controladoria-Geral da União), Vinícius de Carvalho.

Ao longo do processo de escolha, Lula enfrentou uma campanha intensa pela indicação de uma mulher para o Supremo. Um abaixo-assinado reuniu 70 mil assinaturas para defender mais uma ministra no tribunal – atualmente, a corte tem apenas uma representante feminina, a ministra Cármen Lúcia.

‘Lealdade’
Na sessão de despedida de Barroso da presidência do STF, em 25 de setembro, Messias exaltou a coragem e a “lealdade à pátria” do ministro que estava saindo. “Lealdade que só os verdadeiros patriotas puderam demonstrar nesse período”, disse.

Jorge Messias também enalteceu o papel de Alexandre de Moraes no processo que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e destacou os processos conduzidos por Flávio Dino que envolvem suspeitas de desvio de emendas parlamentares. O nome do futuro ministro do STF ainda não havia sido confirmado, mas todos no plenário do Supremo sabiam que era ele o favorito para a vaga que se abria.