O economista José Roberto Afonso, doutor pela Unicamp e vice-presidente do Fórum de Integração Brasil-Europa (Fibe), afirmou nessa quinta-feira, 16, no programa Matinal, do canal Amado Mundo, que o país precisa rever o modelo de proteção social, ainda centrado no emprego com carteira assinada. O especialista participou, no último dia 6, da audiência pública do STF sobre a pejotização, um dos assuntos mais discutidos quando a pauta é transformações no mundo do trabalho.
A pejotização é a prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoa jurídica (PJ) para evitar o vínculo empregatício previsto na CLT. O tema chegou ao STF, que discute se essa forma de contratação é lícita dentro da liberdade de organização produtiva ou se configura fraude trabalhista. O tribunal também analisa a competência da Justiça do Trabalho para julgar esses casos e como deve ser feita a distribuição do ônus da prova quando há contestação sobre a validade dos contratos.
Segundo Afonso, o debate no Supremo mostrou que parte das posições sobre o tema ainda está “saudosista e descolada da realidade”. Para ele, insistir em associar proteção social exclusivamente ao emprego formal é “ignorar que mais da metade dos trabalhadores brasileiros não têm carteira assinada”.
Disse o economista:
“Em vez de mudar o regramento para se adaptar à nova realidade, querem que a realidade volte a ser o que era no passado – um mundo em que trabalho era sinônimo de emprego formal, com carteira assinada.”
Para ele, o país precisa de um novo pacto social que amplie a rede de proteção a trabalhadores autônomos e profissionais de aplicativo. Ele defendeu que benefícios como o auxílio-doença e o seguro-desemprego sejam adaptados para essa nova realidade, cobrindo quem hoje contribui, mas permanece desamparado. O economista argumentou que o Brasil é o único país do mundo que prevê na Constituição Federal instrumentos necessários para isso, por meio da seguridade social. O que faltam são políticas públicas que integrem as contribuições e atualizem o sistema às dinâmicas de trabalho contemporâneas.
“O mundo mudou, e nós precisamos mudar. Não adianta achar que só quem tem carteira assinada merece proteção. É o contrário. Precisamos estender a proteção a todos”, disse.
Afonso afirmou que é falsa a percepção de que trabalhadores autônomos contribuem menos para o sistema tributário. Ele citou o caso das empresas enquadradas no Simples Nacional, sistema voltado a microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), que aumentaram sua participação na arrecadação nos últimos cinco anos, segundo dados da Receita Federal.
O economista destacou que, enquanto as grandes companhias reduziram sua contribuição previdenciária no período, as pequenas ampliaram sua fatia no PIB.
“A história de que PJ não paga imposto é mentira. Quem virou PJ tem que pagar imposto. Sendo individual ou não, tem que pagar. Todo mundo paga PIS, que vai financiar o seguro-desemprego e o abono salarial de quem é empregado”, explicou.
Sobre o futuro da CLT, o economista afirmou que ela continuará tendo espaço, mas limitada a um tipo específico de relação de trabalho, voltada a quem possui vínculo fixo com um empregador e cumpre jornada definida. “Ela não precisa mudar, mas precisa conviver com outras formas”, observou.
Na avaliação de Afonso, o Brasil já está na dianteira dessa transformação: “todos os países estão indo para onde o Brasil já está, o predomínio do trabalho independente. Seja do andar de baixo, como entregadores e motoristas, seja do andar de cima, como consultores financeiros e profissionais de tecnologia.”