A matriz de geração energética brasileira mudou profundamente desde 2010, com o barateamento das placas solares e os investimentos privados em energia eólica. A oferta de eletricidade aumentou, mas os preços pagos pelos consumidores não diminuíram. Essa realidade é um paradoxo, diz o diretor-geral brasileiro da usina hidrelétrica Itaipu Binacional, Enio Verri, em entrevista ao PlatôBR.
Segundo Verri, enquanto mais famílias têm acesso a energia solar barata, o restante da população precisa remunerar as distribuidoras que vendem a eletricidade. Na prática, menos pessoas pagam a conta e os preços aumentaram.
“É um paradoxo. A energia hidráulica, em 2010, representava 91% da geração no Brasil e, hoje, é só 60% do total. A geração térmica representava 9% em 2010 e, hoje, 6%. A eólica representava 4% e, atualmente, 7%. E a solar, que era zero, hoje, é quase 10%”, disse o diretor geral. “A inovação tecnológica proporcionou o aumento de oferta de energia limpa, barata e de qualidade. Entretanto, essas fontes são intermitentes”, explicou.
Verri é filiado ao PT e abriu mão do mandato na Câmara dos Deputados para comandar a estatal que tem o controle dividido entre o Brasil e o Paraguai.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O que é a Itaipu Binacional hoje?
A Itaipu é uma revolução tecnológica. Imagine há 51 anos construir uma usina daquele tamanho, uma usina hidrelétrica. A maior usina hidrelétrica do mundo à época. Uma época que não existia software, não tinha computador, não tinha máquina científica. Os cálculos estruturais eram feitos na régua e à mão. É por isso até que Itaipu é mais resistente do que as outras, porque, na dúvida, colocavam um pouco mais [de cimento]. E ela é gigante. Chegou a representar 25% da produção de energia do Brasil. Itaipu é uma empresa pública que tem 50% do capital governo brasileiro e os outros 50% do governo do Paraguai.
Quais os planos da empresa para diversificar a geração de energia?
Nós temos investido muito em atualização tecnológica. São mais de R$ 5 bilhões de reais de investimento para atualizar todo o sistema de gestão de Itaipu e a maneira com que ela produz energia. Concomitante a isso, já há 20 anos, a Itaipu vem investindo em alternativas. Primeiro, em geração distribuída. Nós começamos a a produzir energia através do gás metano, no oeste do Paraná, onde há uma grande produção de suínos. Desenvolvemos essas alternativas a partir da geração distribuída. As leis brasileiras que tratam da geração distribuída surgiram a partir das experiências de Itaipu há 20 anos. Há uns 15 anos, nós começamos com as experiências do hidrogênio verde. O hidrogênio verde está num estágio muito avançado de pesquisa. Apresentaremos na COP30 um barco desenvolvido no nosso parque tecnológico, movido a hidrogênio verde. A partir da nossa experiência do biogás, a partir do nosso conhecimento de hidrogênio verde e com a geração de energia da hidroelétrica, nós estamos avançando muito agora no petróleo sintético para produção do SAF [[Sustainable Aviation Fuel, em inglês, o combustível sustentável de aviação que substitui o querosene fóssil].
E há investimentos em energia fotovoltaica?
Nós estamos agora fazendo uma experiência de placas solares sobre um pedaço do reservatório de Itaipu. E, com isso, nós vamos utilizar essa energia produzida para o consumo da usina, sobrando mais energia da usina para entregar à sociedade brasileira e à paraguaia.
Por que no Brasil há oferta abundante de energia e preços altos?
É um paradoxo. A produção de energia no Brasil mudou. A energia hidráulica, em 2010, representava 91% da geração no Brasil e, hoje, é só 60% do total. A geração térmica representava 9% em 2010 e, hoje, 6%. A eólica representava 4% e, atualmente, 7%. E a solar, que era zero, hoje, é quase 10%. A inovação tecnológica proporcionou o aumento de oferta de energia limpa, barata e de qualidade. Entretanto, essas fontes são intermitentes. Com a atualização tecnológica, ficou mais barato instalar as placas solares e mais pessoas têm comprado essa energia. Por outro lado, há demanda para energia firme nos horários de pico, ocasionando um fato novo. Há excesso de energia ofertada na rede em alguns horários e falta de energia em outro. Quando você tem um excesso de energia ofertada nas redes, por exemplo, entre 12h e 14h, você cria um congestionamento. Pense a rede de transmissão como uma avenida. Se você colocar muito carro, você vai criar um congestionamento. É isso que está acontecendo hoje. Com menos gente comprando energia das distribuidoras, o preço da energia para o restante da população aumenta.
Quais os planos e projetos que Itaipu apresentará na COP-30?
Até 2003, Itaipu só produzia energia. A partir de 2005, Itaipu passou a ter como missão gerar energia, preservar o meio ambiente e contribuir para o desenvolvimento sustentável do Brasil e do Paraguai. Itaipu começou a desenvolver políticas socioeconômicas que tornaram-se modelo no mundo. A empresa é premiada pela ONU, é reconhecida por outros países. Nós recebemos, frequentemente, visitas de representantes do governo de outros países para conhecer as nossas experiências socioambientais, que são muito bem sucedidas na preservação da nossa matéria-prima, que é a água, da contribuição ao desenvolvimento regional, e, principalmente na construção de parcerias, tanto na área rural como urbana. A nossa participação na COP está muito baseada nisso, em levar toda essa tecnologia acumulada nesses anos, nesses últimos 20 anos, para socializar isso com o resto do mundo.
O senhor encerrou a carreira política ou é candidato no ano que vem?
Olha, eu tenho um conceito: o meu cargo é absolutamente político. É claro que eu renunciei ao meu mandato para assumir Itaipu. Eu continuo na política. Eu tenho uma missão dada pelo presidente até dezembro do ano que vem, de terminar essa transição que estou fazendo na Itaipu junto com uma equipe de muita qualidade. Eu pretendo terminar o meu mandato. Agora, isso vai depender muito de como vai ficar o tabuleiro nacional, como fica o Nordeste, como fica o Sul. E é nesse tabuleiro que será feita a análise pelo Partido dos Trabalhadores, pelo presidente Lula, e com certeza também pela ministra Relações Institucionais [Gleisi Hoffmann], que é quem discute a política hoje no nosso campo.