Ator antes de qualquer coisa (além de roteirista e empresário, poderia dizer que é músico de carnaval), Gregório Duvivier aprendeu cedo o poder do riso. Tímido, entrou para a escola de teatro Tablado, no Rio de Janeiro, aos nove anos, e descobriu ali o prazer de fazer rir. De lá para cá, tornou-se um dos mais profícuos artistas brasileiros, interpretando dezenas de personagens e escrevendo centenas de esquetes, crônicas, poesias.

Aos 39 anos, compartilhou com o Papo Amado, do canal Amado Mundo, como consegue criar tanto em meio às demandas da vida cotidiana e da paternidade. Com duas filhas, está em turnê com a peça “Céu da língua”, uma comédia poética sobre a língua portuguesa e o prazer de brincar com as palavras, lotando plateias com um texto que bebe da obra de Luís de Camões.

O tamanho do currículo, disse, não o impede de ainda ter aspirações. Sonha levar a comédia brasileira para o mundo, por meio do Porta dos Fundos, coletivo de humor de que é um dos fundadores. Quer o protagonismo do país no cenário global: “O Brasil é a maior democracia do mundo hoje”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista. Assista à íntegra ao final do texto, em vídeo.

O que você coloca na ficha do hotel quando você vai preencher?

Trombonista. Mentira, boto ator. É o que faço há mais tempo. Sou ator de teatro antes de qualquer coisa. Me identifico como ator, escrevo para atuar. Quando escrevo um esquete, me imagino fazendo. Mesmo tocar no carnaval ainda é um trabalho de ator, porque eu finjo que toco. Tudo que faço é como ator.

E a primeira vez no palco?

Tinha uns nove anos. Meus pais me obrigaram a fazer teatro porque era super tímido. Subi no palco morrendo de medo do ridículo e todos riram de mim. Ali, descobri que o riso também é carinho. Foi no Tablado, ali no Jardim Botânico no Rio, que me descobri ator.

Como é o seu processo de escrita?

Sou completamente desordenado com escrita. Escrevo muitas vezes só quando me cobram, ou nas brechas do dia. Não começo arquivos novos; gosto de partir de textos antigos, como um reciclado. A urgência também é treino: já escrevi esquetes em táxis ou aeroportos. O timing é a alma do humor.

Como é que você concilia a escrita com a rotina de pai?

Tenho conseguido manter o equilíbrio, mas é difícil. O silêncio é uma coisa que sempre precisei para escrever, mas fui aprendendo a fechar os ouvidos. O paraíso das minhas filhas é a minha mesa de trabalho, cheia de canetas e coisas de papelaria, porque adoro desenhar. Aprendi a escrever com elas ali do lado.

Quais são suas referências no humor?

Fui muito formado pelo teatro e pelos cartunistas: Quito, Henfil, Laerte, Angeli… Mas o teatro, principalmente. Quando eu era pequeno, minha avó me levou para ver “O avarento”, com o Jorge Dória. Eu fiquei hipnotizado com a improvisação dele quando uma parte do cenário caiu. Anos depois, descobri que caía todo dia. Pensei: “esse cara é um gênio”. Mas tem Marco Nanini, Pedro Cardoso, Fernanda Torres e dentro da minha família. Minha tia Bianca Byington sempre foi uma referência.

Qual é a seu esquete favorito do Porta dos Fundos?

Tenho um carinho especial por “Corte de gastos”. As pessoas vão falando e o set vai sendo desmontado, é quase uma defesa da equipe. Também gosto das esquetes bíblicas, como “Os Dez Mandamentos”, porque me lembro de o quanto a gente se divertiu gravando. As crises de riso eram constantes.

Se fosse fazer um episódio do Greg News hoje, o que seria?

A PEC da Blindagem é um verdadeiro manancial de humor. Eles forneceram material incrível para os humoristas, justamente pela burrice que mostram. O Nikolas Ferreira está sempre um passo à frente da esquerda, mas vai ao plenário e declara querer ser blindado, como se merecesse impunidade. Essa combinação de arrogância e ingenuidade cria um humor absurdo e abundante, porque eles se expõem de maneira estratégica e intelectualmente questionável.

Qual a importância do streaming para o audiovisual?

Hoje o streaming opera sem regras, diferente da TV e do cinema, que têm leis e cotas de conteúdo nacional. Essas plataformas deveriam ser tratadas como empresas de audiovisual, pagar impostos e contribuir para o setor. O mesmo vale para as redes sociais, que também fazem parte desse ecossistema e estão mudando o equilíbrio do mercado.

Como é que nasceu a ideia do “Céu da língua”?

Nasceu do meu encontro com a Luciana Paz, uma atriz que eu sempre admirei e acho um fenômeno no palco. A vontade de trabalhar juntos veio do nosso fascínio e da nossa implicância com a poesia, amor, ódio e paixão ao mesmo tempo. A peça também vem da minha fascinação pela língua, que molda nossa forma de estar no mundo e faz o português brasileiro ser tão diferente e mais livre que o de Portugal. Escrevemos a peça em poucos meses e a estreia em Portugal coincidiu com os 500 anos de Camões. Se eu tentasse vender essa peça para um executivo de TV não seria aprovado. Vão dizer: “O povo não quer ver poesia”. Mas foi o maior sucesso que já fiz no teatro. Acho que conseguimos provar, graças ao público, que a poesia pode ser pop pra caramba. As pessoas amam poesia, só não sabem.

O que você ainda quer fazer?

A gente sempre sonhou em fazer um longa-metragem do Porta. O nosso primeiro filme não tem a nossa cara nem o mesmo humor dos esquetes. O que me deixa mais orgulhoso do Porta é termos criado uma marca e exportar com grande sucesso. Isso mostra que a comédia brasileira tem potencial de alcançar o mundo, mesmo que tradicionalmente só dramas tenham viajado. Temos um histórico de consumir muito humor gringo e queria inverter isso.

A gente está carregando a bandeira da democracia. Um país que até outro dia era ditadura, hoje, visivelmente, mais democrático do que os pais da democracia.

O Brasil é a maior democracia do mundo hoje. Os Estados Unidos estão no caminho de uma autocracia declarada, com demissão de humoristas que falam mal do governo, cerceamento de órgãos de imprensa, das faculdades. Por incrível que pareça, a nossa democracia é mais sólida até por ser mais nova. A Constituição deles tem três linhas e a gente escreveu outro dia uma Constituição cidadã, com participação de movimento negro e indígena, muito mais interessante, mais à prova de bala, se duvidar. Temos instituições muito mais maduras que as deles, apesar de ter uma Democracia mais nova.