KUALA LUMPUR – Finalmente aconteceu – e, ao menos na visão do governo brasileiro, o resultado foi muito positivo. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump se reuniram em Kuala Lumpur, capital da Malásia, na tarde deste domingo, final da madrugada em Brasília. O encontro durou cerca de 50 minutos. Antes mesmo de iniciar a conversa, Trump disse a jornalistas que poderia resolver “rapidamente” o tarifaço imposto aos produtos brasileiros. Já durante a reunião, respondendo a um pedido de Lula para suspender imediatamente as sobretaxas, ordenou que sua equipe se reunisse com representantes do governo brasileiro nas horas seguintes, ainda na capital da Malásia, para tratar do assunto.
Segundo o governo brasileiro, a conversa foi amistosa do início ao fim. Trump até combinou de fazer uma visita ao Brasil – e Lula correspondeu dizendo que também pretende ir aos Estados Unidos encontrá-lo. Cumprindo o acerto feito entre os presidentes para discutir uma solução rápida para o tarifaço, o chanceler Mauro Vieira e o secretário-executivo do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), Márcio Elias Rosa, esperam se reunir ainda neste domingo com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer. Vieira, Rosa, Rubio, Bessent e Greer estiveram ao lado de Lula e Trump durante a reunião. Do lado brasileiro, participou ainda o embaixador Audo Faleiro, conselheiro do presidente Lula para assuntos internacionais.
Antes de começar a reunião, a sala foi aberta para jornalistas, como costuma ocorrer em eventos com Trump na Casa Branca, e tanto ele quanto Lula responderam perguntas durante nove minutos. Houve empurra-empurra na entrada, após o staff da Casa Branca dizer que entrariam primeiro os repórteres que acompanhavam Trump. A entrevista foi encerrada quando o presidente brasileiro, demonstrando irritação, disse que as perguntas poderiam ser feitas depois da reunião e que a conversa com os jornalistas estava tomando o tempo do encontro. “A mídia nem precisa demorar tanto”, reagiu Trump. Antes, enquanto a imprensa entrava na sala, dirigindo-se a Rubio ele elogiou a beleza de uma jornalista. “Mulher bonita”, disse.
Desde o primeiro instante, procurou demonstrar simpatia – um comportamento bem diferente do tom agressivo das declarações feitas quando anunciou o tarifaço. “É uma grande honra estar com o presidente do Brasil, um grande país. É um país grande e lindo”, afirmou. “Acho que conseguiremos fechar alguns bons acordos, como temos conversado, e acho que acabaremos tendo um ótimo relacionamento”, disse ainda.
Indagado se o governo americano pretendia suspender as tarifas de imediato, ele respondeu: “Vamos discutir isso por um tempo. Sabemos que nos conhecemos. Sabemos o que cada um quer”.
Logo depois, perguntado pelo PlatôBR sobre seu sentimento em relação a Jair Bolsonaro, personagem central da decisão da Casa Branca de impor o tarifaço ao Brasil, Trump disse diante de Lula que gosta do ex-presidente. E lamentou o que ele vem passando. “Sempre gostei dele. Me sinto muito mal pelo que aconteceu com ele. Sempre achei que é um cara franco (Trump usou a expressão “straight shooter”, que também pode ser lida como “confiável” ou “íntegro”), mas ele já passou por muita coisa, já passou por muita coisa”, afirmou o americano.
O assunto Bolsonaro voltou à baila em seguida, quando uma repórter indagou se a situação de Bolsonaro seria discutida na reunião com Lula. Pela primeira vez, Donald Trump deu uma resposta ríspida. “Não é da sua conta”, disse.
O presidente americano afirmou que, durante a conversa com Lula, saberia o que o Brasil poderia oferecer nas negociações com os Estados Unidos, mas realçou que seu país também tem o que ofertar. “Eles podem oferecer muito e nós podemos oferecer muito.”
Sentimento de alívio
A comitiva de Lula respirou aliviada com o resultado da reunião. O clima era de tensão até pouco antes, a despeito do interesse na realização da conversa. Havia disposição tanto do lado brasileiro quanto do americano para que o encontro ocorresse. Do lado brasileiro, o Itamaraty e o Planalto tinham dúvidas sobre como se desenrolaria o diálogo tête-à-tête.
Havia uma preocupação especial com a postura de Trump no trato com Lula – no passado recente, ele foi duro em reuniões com os presidentes Volodymyr Zelensky (Ucrânia) e Cyril Ramaphosa (África do Sul).
Manhã animada
Lula e Trump, que participam em Kuala Lumpur da reunião de cúpula da Asean, a Associação das Nações do Sudoeste Asiático, começaram o dia animados. Logo cedo, o brasileiro saiu do hotel rumo à cerimônia de abertura do encontro da Asean comemorando a vitória do Cruzeiro sobre o Vitória. Quando já estava quase entrando no carro, deu passos atrás para dizer, com sorriso no rosto, que o Flamengo estava perdendo para o Fortaleza.
Menos de duas horas depois, ao desembarcar do Air Force One em meio a uma grande festa preparada pela Malásia na pista, com música, militares em trajes de gala e apresentação de grupos tradicionais, Trump fez dancinha, distribuiu sorrisos e posou para as câmeras balançando miniaturas das bandeiras dos dois países — muito semelhantes, por sinal.
O presidente americano foi recebido ao pé da escada do avião pelo primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, que na véspera recepcionara Lula na residência oficial com fartas declarações de admiração pelo presidente brasileiro.
Antes do encontro com Lula, Trump cumpriu uma série de outros compromissos em agendas paralelas à reunião de cúpula da Asean. Por exemplo, participou da assinatura de um acordo de paz entre Tailândia e Camboja para colocar fim a um conflito de fronteira que começou há cerca de três meses – é uma das várias guerras que o presidente americano se gaba de ter encerrado. Trump também assinou um acordo com a Malásia, o país anfitrião do encontro da Asean, para exploração de terras raras.
‘Encaixe’ na agenda
Se do lado brasileiro a reunião com Trump era tratada quase que com ares de final de Copa do Mundo, com enorme expectativa, do lado americano era praticamente como um encaixe na agenda do presidente.
Para jornalistas que cobrem o dia a dia de Trump, a Casa Branca chegou a informar mais cedo que o encontro seria um “pull aside”, jargão em inglês usado para designar conversas informais que ocorrem à margem de outros eventos. O governo brasileiro, por sua vez, vinha tratando a conversa como um encontro bilateral — algo que na liturgia da diplomacia costuma significar bem mais que uma rápida conversa.
Não foi só. Em um deslocamento de Israel para o Catar, onde se juntou à comitiva de Trump que fazia uma escala no país, o secretário de Estado, Marco Rubio, demonstrou nem saber ao certo onde seria a reunião com Lula: disse que o encontro seria na Coreia do Sul ou, talvez, na Malásia. “O presidente vai se reunir com Lula. (…) Vai interagir com ele, acredito que na Coreia do Sul, ou pode ser na Malásia”, afirmou Rubio.
Fator China
O secretário antecipou, horas antes da reunião, o que o governo americano pretende. E deixou claro o esforço para impedir que o Brasil aprofunde as relações com a China de Xi Jinping, integrante dos Brics, o grupo de países incensado por Lula como estratégico para que países em desenvolvimento alcancem posições de maior destaque na geopolítica global.
“O Brasil é um grande e importante país. Nós pensamos que a longo prazo é benéfico para o Brasil ter os Estados Unidos como parceiro comercial, e não a China, por causa da geografia, da cultura, “por causa de alinhamentos de muitas maneiras. Nós temos obviamente algumas questões com o Brasil, particularmente sobre como alguns de seus juízes têm tratado o setor digital dos Estados Unidos e indivíduos baseados nos Estados Unidos por suas postagens em redes sociais. Teremos que resolver isso também”, declarou Rubio.
