KUALA LUMPUR – Já se preparando para encerrar a viagem que faz à Ásia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse esperar um acordo com o governo americano em “poucos dias” para a suspensão do tarifaço e das sanções impostas pela Casa Branca a autoridades do Brasil. Na capital da Malásia, em entrevista coletiva a jornalistas brasileiros e estrangeiros, ele comemorou o resultado da reunião que teve na véspera com Donald Trump. Perguntado pelo PlatôBR se acredita que o presidente americano já não está tão disposto a defender Jair Bolsonaro como parecia estar quando impôs o tarifaço ao Brasil, Lula disse que Trump sabe que o ex-presidente ”faz parte do passado“.
“Ele (Trump) sabe que ‘rei morto, rei posto’. Ele sabe. O Bolsonaro faz parte do passado da política brasileira. E eu ainda disse para ele: ‘com três reuniões que você fizer comigo, você vai perceber que o Bolsonaro era nada, praticamente’”, declarou o presidente brasileiro. “Acho que está estabelecida a relação entre Brasil e Estados Unidos. Quem imaginava que não ia ter, perdeu. Vai ter e vai ter uma relação produtiva.”
Lula disse que ele e Trump trocaram números de telefone e que, a partir de agora, a parte política das negociações será tratada diretamente entre os dois, enquanto as equipes de um lado e de outro cuidam dos detalhes técnicos para se chegar rapidamente a um acordo que permita a revisão das tarifas.
“Estou convencido de que em poucos dias nós teremos uma solução definitiva entre Estados Unidos e Brasil, para que a vida siga boa e alegre, do jeito que dizia o Gonzaguinha na música”, disse Lula, que chegou a se emocionar ao comentar o momento da reunião em que Trump se disse impressionado com a história dele. O presidente brasileiro está completando 80 anos nesta segunda, 27.
Também na manhã desta segunda-feira na Malásia, noite de domingo no Brasil, o chanceler Mauro Vieira, o secretário-executivo do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), Marcio Elias Rosa, e o embaixador Audo Faleiro, conselheiro do presidente para assuntos internacionais, fizeram com representantes da Casa Branca a reunião combinada entre Lula e Trump para começar a negociar um acordo. Do lado americano participaram o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer. Nada foi decidido, mas todos combinaram de fazer uma nova reunião em Washington, provavelmente na semana que vem, para tentar avançar nas negociações.
Na entrevista concedida no hotel em Kuala Lumpur, Lula prometeu que, se o tarifaço não tiver sido resolvido ainda até a próxima semana já vai ligar para Trump. E afirmou que, se os negociadores falharem, já “sabem onde a corda vai doer”.
A caminho do Japão, onde cumpre agenda antes de desembarcar na Coreia do Sul para reuniões com líderes como o presidente chinês, Xi Jinping, Donald Trump falou pela primeira vez sobre o encontro com Lula. Ele elogiou o presidente brasileiro, desejou feliz aniversário e disse que o encontro foi “muito bom”, mas não se comprometeu a rever as sobretaxas.
“Nós tivemos uma boa reunião. Vamos ver o que acontece. Não sei o que vai acontecer, mas vamos ver. Eles gostariam de fazer um acordo. (…) Agora eles estão pagando, acho, 50% de tarifa. Mas tivemos uma ótima reunião. E feliz aniversário. Quero desejar um feliz aniversário ao presidente, ok?”, declarou Trump. “Ele (Lula) é um cara muito vigoroso de fato, e foi muito impressionante”, emendou.
Já à noite, ao deixar o hotel ao lado da primeira-dama Janja da Silva e de ministros para participar de um jantar oferecido aos chefes de Estado e de governo que participam da reunião de cúpula da Asean, Lula comentou a declaração de Trump.
“Eu interpreto como óbvio (o que disse Trump). Não era possível, nem vocês acreditavam, que numa única conversa a gente pudesse resolver os problemas. O que nós estabelecemos é uma regra de negociação, e toda vez que tiver uma dificuldade eu vou conversar pessoalmente com ele”, disse. “Ele tem o meu telefone, eu tenho o telefone dele, nós vamos colocar as equipes para negociar”, repetiu.
“Nós queremos negociar o fim das punições ao nosso ministro da Suprema Corte, nós queremos negociar o fim da punição contra o ministro Padilha (Alexandre Padilha, da Saúde) e a sua filha, e nós queremos negociar a taxação, porque a taxação, segundo a carta dele, foi equivocada, numa mentira de que tinha déficit com o Brasil. Ele tem superávit, e ele sabe disso porque eu entreguei para ele uma carta. (…) Não foram apenas palavras, ele tem documento sabendo o que o Brasil quer e eu acho que nós vamos fazer bom acordo”, prosseguiu Lula, que vestia uma camisa típica da cultura malaia, recebida como presente do governo local.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista coletiva de Lula na Malásia:
Diferença ideológica e respeito
“Ele (Trump) andou 22 mil quilômetros (até Kuala Lumpur). E eu andei 22 mil quilômetros. Ele num avião melhor do que o meu. Eu penei mais. E a gente veio se encontrar na Malásia. O destino estava traçado. Era na Malásia que a gente tinha que se encontrar para que eu pudesse olhar nos olhos dele e dizer o que eu penso, ele olhar nos meus olhos e dizer o que ele pensa. E foi assim que eu tive, ontem, na reunião, uma boa impressão de que, logo, logo, não haverá problema entre Estados Unidos e Brasil. E fiz questão de dizer ao presidente Trump que o fato de nós termos posição ideológica diferente não impede que dois chefes de Estado tratem a relação entre esses Estados com muito respeito. Eu o respeito porque ele foi eleito presidente da República dos Estados Unidos pelo voto democrático do povo americano e ele me respeita porque eu fui eleito pelo voto democrático do povo brasileiro. Isso colocado na mesa, tudo fica mais fácil.”
Tentativa de golpe
“Eu disse para ele a gravidade do que eles (bolsonaristas) tentaram fazer no Brasil, disse a eles que eles têm um plano para matar a mim, para matar o meu vice-presidente, para matar o ministro Alexandre de Moraes, e eles foram julgados com direito de defesa que eu não tive quando fui processado. Portanto, isso não está em questão, não está em discussão.”
Sinceridade na relação
“Acho, sinceramente, eu acho que rolou muita sinceridade na nossa relação. Eu não tenho nenhum problema de dizer que é bem possível que vocês fiquem surpresos com a afinidade da relação entre Estado americano e Estado brasileiro. O pensamento político do presidente Trump é dele, o meu pensamento é meu, mas quando nós conversamos não sou eu nem ele, somos os chefes de dois Estados democráticos do Ocidente que estão conversando. (…) Eu penso que terá que ter uma suspensão de algumas medidas, da taxação, para a gente começar do zero, e da punição aos nossos ministros, porque não tem nenhum procedimento, não tem lógica. Isso foi dito na frente do Marco Rubio.”
Acordo de boa qualidade
“O compromisso que ele fez é que ele pretende fazer um acordo de muita boa qualidade com o Brasil. Eu fiz questão de não deixar dúvida ao presidente Trump quem eu sou, de onde eu vim e o que eu penso. (…) Embora ele não tenha feito promessa, ele garantiu que nós vamos ter acordo. E eu acho que vai ter. E vai depender do Brasil também. Nós não somos um bebê que tem que ficar esperando alguém nos chamar. Nós é que temos interesse. Então, nós temos que ir atrás.”
”Metamorfose ambulante”
“Se quiser discutir a questão de minerais críticos, de terra rara, se quiser discutir etanol, se quiser discutir a folga, não tem problema. Eu estou a metamorfose ambulante na mesa de negociação. Coloque o que quiser, que eu estou disposto a discutir tudo e qualquer assunto. Foi assim que eu aprendi a negociar. (…) Se é interessante para você, coloque na mesa. Me convença.”
Venezuela e experiência brasileira
“Coloquei a questão da Venezuela para eles, dizendo que pelo noticiário do jornal, estou vendo que as coisas estão se agravando, e disse para eles que é extremamente importante levar em conta a experiência que o Brasil tem como o maior país da América do Sul, como o país economicamente mais importante, que tem como vizinhos quase toda a América do Sul, para, naquilo que é possível o Brasil ajudar na relação com a Venezuela. (…) Disse para ele que nós estamos à disposição para ajudar, e queria que ele levasse em conta que nós somos uma zona de paz.”
China ou EUA?
“O Brasil não tem preferência por países. Queremos manter relação com todos os países do mundo.”
“Química” e “lambe-botas”
“Nós somos tocados a emoção. Nós somos tocados ao nosso olhar, ao sentir as pessoas. Quem conhece a minha vida pública sabe que eu tenho uma história que merece respeito. (…) É importante que ele (Trump) conheça a minha história. É importante, porque muita gente não conhece, muita gente fala muita bobagem a meu respeito. E eu continuo sendo o que eu era. Eu sei de onde eu vim, sei onde estou, e sei para onde eu vou quando eu deixar a Presidência da República. E tem uma coisa que eu conquistei que é o direito de andar de cabeça erguida. Você não sabe o valor que tem, para uma pessoa que vem de baixo, aprender a andar de cabeça erguida. Não tem ninguém melhor do que ninguém, mas também não tem ninguém melhor do que eu. (…) Eu aprendi também que o ser humano só respeita quem se respeita. Se você não se respeitar, ninguém te respeita. Ninguém gosta de lambe-botas. Ninguém gosta de puxa-saco, de vassalo e de lambe-lambe. A gente tem que ser o que a gente é, de verdade. Eu acho que é isso que pintou entre eu e o presidente Trump. Espero que essa química dê frutos entre o povo brasileiro e o povo americano.”
Guerra na Ucrânia
“Eu ainda não falei para ele (Trump), mas qualquer dia eu vou dizer para ele pode resolver essa guerra da Ucrânia. A guerra está no seu ponto de maturidade. Já são três anos de guerra. O Putin já sabe o que quer, o Zelensky já sabe o que quer. Cada um já sabe o que vai conseguir. O que está faltando é colocar na mesa de negociação.”
Lançamento de candidatura
“Eu não deveria ter falado na Indonésia que eu sou candidato. Eu deveria ter falado no Brasil. Mas foi um lapso da minha parte, porque eu não tenho voto lá.”
