Tarcísio é bom. Mas o eleitor espera que ele fique melhor
Algo de bom o cidadão tem que ter na bagagem para ser eleito governador de São Paulo, nosso maior estado, nossa grife internacional, fina estampa da Sulamérica e possuidor de uma série de outras virtudes que o mundo reconhece, e aplaude. O carioca Tarcísio de Freitas, de 55 anos, engenheiro e ex-militar, eleito para esse cargo, desde que tomou posse, justiça seja feita, tem se desdobrado para explicar aos seus e aos demais, que chegou ao posto porque entende do riscado, tem poder de comando e se ali está é por que merece. Copo meio cheio, meio vazio.
Quanto ao item “merece”, há controvérsias. Não fosse a mão pesada do senhor Jair Messias empunhando essa raquete, sabemos nós que nesse podium teríamos medalha de prata ou bronze. Verde politicamente, maduro como administrador e gestor, Tarcísio ganhou de presente um estado para comandar. Esqueceu de se desligar da tomada que o liga Bolsonaro, e por mais que tente demonstrar que sabe andar sozinho, tropeça em obstáculos de fácil remoção. Mas, sem a voz de comando do ex-presidente, o chefe do governo paulista se mostra frágil, inseguro, e em algumas circunstâncias escancara isso sem o menor constrangimento.
Às vezes, na ânsia de acertar, exagera e copia do chefe as coisas ruins. Dias atrás, numa destemperada declaração disse em rede nacional que somente se preocuparia com a contaminação de bebidas por etanol quando o fato chegasse à coca-cola. Nada mais grosseiro e, ainda vindo de um governador, a régua sobe até o teto. Com esse disparate sem propósito, Tarcísio lembrou Bolsonaro quando comparou a covid 19 a uma gripezinha, e mais adiante imitava pessoas angustiadas com falta de ar, cenas patéticas que o Brasil jamais esquecerá.
Se, para Tarcísio, essa brincadeirinha não passa de um momento de relax, para a comunidade responsável o nome disso é imaturidade e amadorismo administrativo. Com a idade que tem, e pelo cargo que ocupa, pedir desculpa por um fiasco desses e nada é a mesma coisa. Na fila, no dia da eleição, o eleitor vai se lembrar disso.
No Brasil, esse voto de última hora decide muitas eleições. Seria injustiça, ou análise precipitada, sentenciar o governador apenas por um ato falho como esse. Sem dar muita bola para a torcida, quem mais joga contra o patrimônio é o próprio Tarcísio, que acumula erros de estratégia que só ele acredita estar no caminho.
Com o pensamento fixo em ser candidato à Presidência da República, subestima correligionários se apresentando como postulante à reeleição para o Governo de São Paulo. Faz preces para que Bolsonaro o indique, mas tropeça nas declarações, cria atritos com os filhos do patrão e se perde quando exigem dele providências que dizem respeito à sua postura como gestor. Tarcísio peca ao ignorar, ou desprezar, tudo aquilo que o transformou num executivo capacitado, equilibrado ao adotar medidas e, acima de tudo, frieza e serenidade ao entender o grau de responsabilidade que funções dessa natureza representam.
O Tarcísio que hoje senta na cadeira de governador do maior e mais rico estado brasileiro não é aquele que, com habilidade e descrição, foi ministro no governo de Jair Bolsonaro. Pessoas ligadas a ele, do próprio staff do Palácio dos Bandeirantes, revelam isso, na surdina. Tornou-se agressivo, áspero com a imprensa, impositivo como Bolsonaro foi quando ainda era deputado e, seguidamente, insiste em esboçar desafios que em momento algum ganham aplausos da população. E, contra ele, a dura realidade.
São Paulo atravessa uma fase em que a população teme sair às ruas, crimes são cometidos a luz do dia sob o foco de câmeras de segurança, o roubo de celulares virou arroz de festa e lá se vão até as noitadas nos bares do Bexiga, com medo dos rastros dos destilados. Pena que seja assim, o Brasil cobra e precisa de gestores com maior sentido comunitário, pessoas que visitem as favelas, façam discursos de conciliação e evitem esnobar cartucheiras ao invés de dar a outra face. Fazendo um replay dos melhores momentos da administração Tarcísio, não há muito a comemorar.
Crimes foram estampados nas páginas dos grandes jornais. Teve um punhado de gente na mira do PCC, até hoje nas ruas da cidade, assassinato em frente aos guichês de compra no aeroporto, morador de rua sendo jogado de viadutos pela PM e ex-policial executado em praça pública, relembrando filmes de San Peckinpah (2014) ou a biografia de Dillinger, dos tempos da Chicago de 1930. Tudo leva a crer que a escola que o jovem Tarcísio deseja seguir é aquela por onde passou Bolsonaro, cujos resultados estão aí para o mundo saber. Atrás das grades, inelegível, com problemas de saúde e às turras com uma família que mais o prejudica do que ajuda. Talvez falte ao Governador uma assessoria que o oriente a ser mais comedido, voltado aos anseios comunitários e que entenda que foi-se o tempo em que cidadão tinha medo de cara feia e autoritarismo.
Nos dias de hoje, com a internet no lugar dos óculos, com a inteligência artificial substituindo até relacionamentos íntimos, essa postura de capitão gancho não engana ninguém. Ainda há tempo, Tarcísio tem talento e aprendeu na escola a destravar a raiz quadrada. Desde que assuma ele mesmo, e se afaste de ervas daninhas. Ele é bom, mas tem gente achando que é bem melhor. Repensar é preciso.
José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais
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