Em meio a crise na segurança do Rio de Janeiro e a troca de acusações entre os governos estadual e federal sobre responsabilidades e consequências da ação policial no início da semana contra o Comando Vermelho, os ministros do STF Gilmar Mendes e Flávio Dino defenderam a atuação do Judiciário para suprir a carência no regramento jurídico no país para o combate ao crime organizado. Também mandaram recados para estimular senadores e deputados a legislar.

“É fundamental que nós discutamos essas questões até para animar espíritos também no Legislativo para avançarmos neste processo”, afirmou Gilmar, ao final da sessão de julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira, 30. O caso analisado tratava de procedimentos da polícia no país e da garantia dos direitos do cidadão.

Gilmar foi seguido por Dino na defesa da consolidação de regras de controle para reduzir excesso de força no combate ao crime e provocar o Congresso a avançar na regulamentação do tema. “Claro, haverá falhas, haverá dificuldade de execução, mas é preciso tentar balizar para, tanto quanto possível, fazermos com que a realidade se aproxime daquilo que está no texto constitucional”, completou o decano da corte.

Segundo Gilmar, a “ADPF das Favelas” tocou nesse ponto central da “insegurança pública” no Rio de Janeiro, que foi a falta de leis adequadas para fortalecer a ação das forças de segurança no enfrentamento ao domínio de criminosos nas favelas. Defendida pelos dois ministros, a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais 635/RJ – nome oficial – tramita no Supremo desde 2019 e estabeleceu regras para reduzir as mortes decorrentes de ações policiais nos morros do Rio sem deixar de combater a expansão do crime.

A ação deveria, em tese, ter evitado a mortandade registrada na Operação Contenção. A ação das polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro teve saldo de mais de 120 mortos em dois morros da capital fluminense sob domínio do Comando Vermelho. “Em algum momento vamos ter que fazer algo de lege ferenda [expressão em latim que significa ‘da lei a ser feita’], pensar algo que significa um estatuto das investigações, como já existe em alguns países”, afirmou Gilmar Mendes. “Temos a ideia de lei orgânica das polícias, mas talvez a gente deva avançar nesse sentido”, completou o decano.

Para Dino, a “ideia pode, quem sabe, inspirar uma atividade legislativa que dê conta desses deveres”. O ministro afirmou que o STF e as ações judicias, ao contrário do que registram “as críticas”, buscam a garantia de direitos fundamentais dos cidadãos e o fortalecimento “da qualidade da prova”. “Defender a lei significa defender o julgamento. Quem é contra a lei, defende a impunidade”, concluiu.

A ADPF das Favelas teve como relator o atual presidente do STF, Edson Fachin. Nesta semana passou a ser responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes, vice-presidente da corte. Nesta quinta, Fachin se pronunciou, pela primeira vez, sobre a operação no Rio. Com a “devida atenção” a corte acompanha, afirmou durante a sessão. “Com plena solidariedade aos familiares das vítimas” e com a “discrição e sobriedade” necessárias.