A megaoperação da semana passada nos complexos de favelas do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, serviu para antecipar um debate que inevitavelmente já daria o tom da campanha eleitoral do ano que vem – especialmente na corrida presidencial. Não por acaso, os movimentos dos principais personagens relacionados ao tema, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao governador Cláudio Castro (PL), têm sido meticulosamente calculados.
No governo federal, a ordem é para que os passos seguintes à operação sejam dados com o máximo cuidado. Há o temor óbvio de a crise respingar na imagem de Lula, que vinha experimentando uma melhora em sua popularidade nos últimos meses. Do outro lado, a oposição viu uma oportunidade de unificar o discurso em torno de uma pauta com grande apelo popular.
De repente, o assunto passou a ditar os movimentos dos três poderes em Brasília.
No Judiciário, o ministro Alexandre de Moraes apressou-se em viajar ao Rio de Janeiro para entender os detalhes da operação e ouvir figuras como o próprio governador e o prefeito Eduardo Paes (PSD). Moraes foi alçado temporariamente à condição de relator da chamada “ADPF das Favelas”, ação em curso no STF para definir regras para ações policiais em comunidades. Do governador, o ministro ouviu que a operação que resultou na morte de 121 pessoas se deu dentro da lei.
No Congresso, além de três propostas de mudança na legislação que trata do combate às organizações criminosas terem ganhado tração, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) começará a funcionar imediatamente. A comissão, que funcionará no Senado, tende a servir de palanque, daqui até 2026, para governistas e oposicionistas esgrimirem suas diferenças em relação ao assunto.
Na semana passada, instado a reagir rapidamente à repercussão da megaoperação no Rio, o governo Lula enviou às pressas ao Parlamento o chamado “PL Antifacção”, um projeto de lei que cria o tipo penal “organização criminosa qualificada”, com penas de até 30 anos de prisão, e classifica o crime como hediondo.
A proposta governista faz frente a outro projeto, de iniciativa da oposição, que busca enquadrar as facções criminosas como organizações terroristas. Esse projeto é de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) e, para se ter uma ideia do nível de mobilização em torno do tema, terá a relatoria do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), que é deputado federal licenciado e deverá reassumir o mandato na Câmara só para dar o tom do debate – e, claro, surfar na oportunidade.
Quem sai na frente
O projeto da oposição está com tramitação mais adiantada que o do governo. O deputado Paulo Azi (União Brasil-BA), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), pôs o texto como primeiro item da pauta da reunião desta terça-feira, 4. Se for aprovado na CCJ, o projeto poderá seguir para o plenário.
O governo Lula vê essa proposta da oposição com preocupação. Especialmente num momento em que os Estados Unidos ensaiam manobras militares para combater o narcotráfico na Venezuela de Nicolás Maduro, o Planalto argumenta que reconhecer legalmente as facções criminosas como organizações terroristas pode dar margem a uma possível ação estrangeira em território nacional.
Na semana passada, a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) procurou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para manifestar a contrariedade do governo com o projeto da oposição. Motta não respondeu. Os governistas alegam que o discurso oposicionista embute o desejo de uma intervenção internacional no combate ao crime no Brasil.
O papel de Motta
O “PL Antifacção” enviado por Lula na semana passada ao Congresso está, literalmente, na dependência de uma canetada de Motta. O governo pediu que a tramitação se dê em regime de urgência, mas o presidente da Câmara não havia sinalizado, até esta segunda, 3, se atenderia.
Também nesta segunda, líderes governistas reclamaram do antagonismo que será criado com a tramitação paralela dos dois projetos. Eles diziam que Motta, ao tentar se equilibrar entre um texto e outro, contribui para a polarização em vez de trabalhar por uma solução para os problemas da segurança pública.
A terceira proposta que divide opiniões no Congresso é mais antiga, e também tem origem no governo. É a chamada “PEC da Segurança”, que estabelece um modelo integrado de atuação das forças de segurança estaduais e federais. Governadores de oposição, com o goiano Ronaldo Caiado (União Brasil) à frente, reclamam. Eles entendem que esse redesenho do sistema subordinaria as polícias dos estados ao governo federal.
O relator da PEC, Mendonça Filho (União Brasil-PE), disse nesta segunda em audiência na Câmara que não concorda com o espírito do texto. Para ele, a mudança fere uma cláusula pétrea da Constituição. “Vivemos em uma federação, e o federalismo é uma cláusula pétrea. (…) Mexer nisso é absolutamente inconstitucional”, afirmou o parlamentar de oposição.
O cenário é de beligerância também em Brasília. A gincana política em torno da pauta da segurança está apenas no começo.
