Ainda sob as repercussões da megaoperação policial no Rio de Janeiro, o Brasil prepara uma proposta sobre segurança pública para levar à reunião de cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e da UE (União Europeia). A iniciativa engloba tanto mecanismos internos de repressão e prevenção quanto o combate a crimes no âmbito transnacional.
As duas esferas, interna e externa, se tocam no momento em que o Congresso brasileiro discute um projeto que equipara facções a organizações terroristas. Para o Planalto, essa mudança na legislação poderia abrir brechas para intervenções externas na segurança do país e até legitimar ações semelhantes às que vêm sendo executadas pelo governo de Donald Trump no Mar do Caribe.
Trump tem utilizado o combate ao narcotráfico como justificativa para uma invasão por terra à Venezuela. Esse foi o motivo que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a decidir viajar de Belém no domingo, 9, véspera da abertura da Conferência Climática das Nações Unidas de 2025, a COP30, para participar da cúpula da Celac-União Europeia na cidade de Santa Marta, na Colômbia. Para essa reunião, são esperados chefes de 33 países da América Latina e do Caribe e 27 da Europa.
A ida de Lula à Colômbia não estava prevista originalmente, mas o Planalto reavaliou as circunstâncias da reunião. Nesta quarta-feira, 5, o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) disse em conversa com jornalistas que a pauta do encontro será a “solidariedade regional à Venezuela”. No mesmo dia, em entrevista coletiva a agências internacionais, o petista disse que só terá sentido a reunião da Celac se for para “discutir a questão dos navios de guerra americanos nos mares da América Latina”.
A posição contrária às operações americanas foi tomada em um momento particularmente sensível na relação do Brasil com os Estados Unidos, que iniciaram conversas sobre o fim do tarifaço durante encontro de Lula com Trump na Malásia no final de outubro. O petista volta para Belém na segunda-feira, 10, a tempo de discursar na abertura da COP30.
Conceito
A Declaração de Santa Marta, documento que será produzido no encontro, deve adotar o conceito levado pelo Brasil de “segurança cidadã”, que propõe um modelo de gestão de segurança pública que vai além da repressão policial. A prioridade é a proteção dos direitos humanos, integrados com políticas públicas como forma de prevenir a violência e a criminalidade. O documento também retomará a questão da soberania e da cooperação entre os países.
A secretária de América Latina e Caribe do MRE (Ministério de Relações Exteriores), embaixadora Gisela Padovan, destacou em conversas com jornalistas nesta quinta-feira, 6, que a cúpula não foi chamada para tratar desse tema, mas admite a relevância que o assunto tomou após a investida militar dos Estados Unidos no mar do Caribe.
“Ela não foi convocada por isso, porque ela tá convocada há dois anos. Mas é natural que um tema que preocupa os países da região seja tratado”, afirmou a embaixadora. “Isso reflete exatamente os princípios mais antigos, caros e constitucionais, inclusive da política externa brasileira, que são: a solução pacífica de controvérsias, a não intervenção nos assuntos internos de outros países e a defesa da paz”, ponderou Padovan.
Interlocução
Na reunião com Trump na Malásia, Lula se colocou à disposição para, se chamado, fazer a interlocução entre os dois países. “É um tema grave da região”, explicou a secretária. “O Brasil sempre se coloca como possível interlocutor porque somos vizinhos relevantes e temos profundos interesses na Venezuela. O Brasil tem diálogo profundo com todos, mas também não podemos fazer isso se não formos solicitados. Se solicitados, estamos à disposição para ajudar porque queremos ver todos os países prósperos”, acrescentou.
