A ação constitucional conhecida como “ADPF das Favelas”, julgada em abril pelo STF, aprovou uma cartilha com limites e regras para as operações de desocupação dos morros do Rio de Janeiro controlados territorialmente pelo crime organizado. A preservação dos locais e das cenas do confronto dos policiais com os criminosos e a perícia técnica realizada são aspectos considerados de grande relevância para a apuração conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes sobre o cumprimento das normas do Supremo pelo governo do Rio de Janeiro na operação policial que terminou com 121 mortos.
Moraes encerrou na quarta-feira, 5, as audiências do caso e cobrou a Polícia Federal para que fosse expandida a investigação da ocupação e domínio de favelas no Rio pelo crime organizado. A operação no complexo de favelas do Alemão e Penha foi a primeira grande incursão policial depois da cartilha da ADPF. O ministro e sua equipe analisam os dados fornecidos pelo estado e os argumentos ouvidos nas audiências desta semana para decidir se o governo fluminense deixou deliberadamente de cumprir as regras.
Os primeiros dados levantados pelo relator indicam problemas em relação às medidas que as polícias do Rio e o governador Cláudio Castro (PL) deveriam ter seguido. Não houve preservação dos locais de crimes, corpos foram retirados e movimentados e a perícia técnico científica não foi devidamente feita. O governador confirmou que não houve cumprimento dessa regras, mas justificou os motivos. Alegou que os policiais tiveram que atuar para salvar os colegas feridos, estavam sob ataques dos criminosos e moradores teriam alterado as cenas ao transportar os mortos.
Presidente da ANPCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), Marcos Camargo destaca que a obrigatoriedade de perícia e preservação do local são exigências do Código de Processo Penal, além de integrar desde abril as determinações do Supremo. Segundo ele, como houve situação de confronto e morte é preciso fazer a perícia. “A realização do exame pericial deveria ser feita independentemente da preservação do local”, afirmou.
No Rio, nem o local foi mantido como estava nem peritos estiveram lá. Os exames necroscópicos nos cadáveres foram o único tipo de análise pericial realizado. Camargo explicou que eles servem para indicar a trajetória dos tiros, se houve disparo à queima roupa, mas são limitados. Já a perícia no local, ajuda a entender “a dinâmica” do ocorrido. “Para ver se houve disparo dos dois lados, como foi a dinâmica do confronto e dos disparos, as condições em que aquilo ocorreu. Tem mais elementos para a investigação”, afirmou Camargo.
O perito explica a perícia é um dos meios de prova usados para apontar crimes e responsáveis. No rol de tipos de provas – documental, testemunhal e científicas -, os laudos periciais fazem parte da última categoria e são popularmente conhecidos como “prova de ouro” no meio jurídico. Sua ausência não esvazia nem impossibilita uma investigação, mas “enfraquece”‘.
Efeito imediato
O descumprimento desse itens da ADPF da Favela, se comprovado, pode resultar em punição para o governo do Rio e gestores por decisão do Supremo e, também, deve ser usado por advogados de defesa dos investigados por suposto elo com o CV. Além gerar consequências para os gestores e policiais, em caso de eventuais desvios, produzem consequências nos processos criminais.
Nesta quarta-feira, 5, durante audiência de Moraes, entidades e ONGs de direitos humanos, de moradores e de presos indicaram que vão pedir na Justiça a anulação dos inquéritos e das investigações policiais e do Ministério Público, com base em falhas processuais como essas. Foram 29 entidades ouvidas em audiência na Primeira Turma, a portas fechadas.
O PlatôBR apurou que o assunto mais tratado foi a contaminação das provas decorrente dessa “falha” do estado. As entidades cobraram também a entrada da PF na apuração e questionaram a isenção das polícias e do MP do Rio nessa fase da apuração. Desde abril deste ano, a PF abriu inquérito e atua no caso. Moraes cobrou dados e pediu para apurar outros fatos, como excessos e desvios de agentes públicos.
